China comunicou oficialmente os primeiros casos de Covid-19 à OMS há 5 anos. Continuamos sem saber a verdadeira origem do vírus

Hoje assinalam-se cinco anos desde a deteção dos primeiros casos de Covid-19 pelas autoridades de Wuhan, na China,  e da sua comunicação oficial à Organização Mundial de Saúde a existência de uma pneumonia de causas não identificadas. Apesar de avanços científicos e inúmeras investigações, a origem do vírus Sars-CoV-2 continua envolta em mistério.

Em 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) liderou uma força-tarefa em parceria com o governo chinês para investigar as origens da pandemia. Num relatório preliminar de 2021, concluiu-se que a transmissão para humanos era “muito provável” a partir de um animal infetado no mercado de Huanan, em Wuhan. Este mercado esteve ligado a casos confirmados já em finais de novembro e início de dezembro de 2019.

Em 2022, outro relatório da OMS sugeriu que morcegos poderiam ter sido os portadores de um ancestral do Sars-CoV-2 que infetou um animal intermediário, mas este elo nunca foi comprovado. A falta de cooperação da China, acusada de reter informações cruciais e de não partilhar dados iniciais sobre a pandemia, tem dificultado o avanço das investigações.

Num comunicado recente, a OMS reforçou o pedido de acesso aos dados para um estudo transparente e afirmou que ainda está a concluir a análise independente destes elementos. “Todas as hipóteses, tanto de origem natural como de falha de biossegurança, continuam em cima da mesa”, afirmou a entidade.

Embora as investigações apontem para uma origem zoonótica – transmissão do vírus de animais para humanos – a hipótese de escape laboratorial também ganhou força nos últimos anos. Esta teoria sugere que o Instituto de Virologia de Wuhan (WIV) poderia estar na origem do surto. No entanto, tanto o Departamento de Energia dos EUA quanto outros órgãos americanos reconhecem que as evidências que sustentam esta possibilidade são fracas.

Um relatório divulgado no início de dezembro pelo Subcomité para a Pandemia da Covid-19 do Senado americano, liderado pelos republicanos, indicou que o Sars-CoV-2 “provavelmente se originou de um acidente de laboratório ou de uma investigação relacionada”. Baseando-se em informações de inteligência, o relatório destacou relatos de investigadores do WIV que terão manifestado sintomas respiratórios semelhantes à Covid-19 no final de 2019.

Estudos publicados nos últimos anos têm aprofundado a análise de amostras recolhidas no mercado de Huanan. Um artigo na revista Cell, publicado em setembro, revelou que uma sequência genética de um cão-guaxinim comercializado no mercado apresentou mais de 90% de semelhança com o Sars-CoV-2.

Segundo o virologista Flávio Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais, citado pelo jornal brasileiro Folha de S.Paulo “estas amostras mostram que os animais foram expostos ao Sars-CoV-2 já naquela época”, mas tal evidência não basta para confirmar o hospedeiro primário do vírus. Outros estudos indicam que a interferência humana no transporte e comércio de animais pode ter desempenhado um papel significativo na disseminação inicial.

Fernando Spilki, virologista da Rede Corona Ômica no Brasil, destacou que fenómenos como alterações climáticas e fragmentação de habitats são fatores fundamentais para compreender o surgimento de pandemias. “Não adianta buscar uma hipótese de arma biológica para desviar a atenção da nossa responsabilidade na emergência de novas pandemias devido à ação humana”, afirmou.

Para Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é imperativo continuar a financiar investigações sobre doenças emergentes. “É preciso investir em bons grupos de pesquisa para orientar respostas a futuros eventos emergentes”, afirmou, reforçando a importância do trabalho de cientistas como Shi Zhengli, investigadora no WIV, e de organizações como a EcoHealth Alliance.

Shi Zhengli, conhecida como “mulher morcego” pela sua investigação em coronavírus, garantiu numa apresentação científica recente que as amostras que analisava antes da pandemia não continham o Sars-CoV-2. “Não encontramos nenhuma sequência mais relacionada ao Sars-CoV-1 [responsável pela Sars] ou ao Sars-CoV-2”, afirmou.

A busca pela origem da Covid-19 reflete não apenas um desafio científico, mas também político. As tensões entre os governos chinês e americano têm polarizado as discussões, atrasando uma compreensão global sobre como a pandemia começou e como evitar futuras crises de saúde pública.

Enquanto as investigações prosseguem, o mundo permanece com mais perguntas do que respostas sobre um dos eventos mais transformadores do século XXI.