
Casos de bebés retidos nas maternidades por falta de habitação aumentam drasticamente
O agravamento da crise habitacional em Portugal tem tido consequências diretas na vida de muitas famílias, especialmente das mais vulneráveis. Um dos reflexos mais alarmantes desta situação é o aumento exponencial de recém-nascidos que permanecem internados nas maternidades por falta de condições de habitação das mães. Na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), em Lisboa, o número de casos quadruplicou em apenas dois anos, passando de sete, em 2022, para 28, no ano passado.
De acordo com Fátima Xarepe, responsável pelo Serviço Social da MAC, em declarações ao semanário Expresso, “a crise habitacional contribuiu bastante para este aumento. As mulheres estão a chegar à maternidade numa situação social cada vez mais complexa e mais frágil”. Cerca de metade dos 28 casos dizem respeito a mulheres sem-abrigo, uma realidade que, segundo a especialista, era residual até há poucos anos. A maioria destas mulheres (10) são imigrantes, algumas em situação irregular, que viviam em condições precárias, incluindo ruas, prédios abandonados e tendas espalhadas pela cidade.
O sistema de apoio social tem-se revelado ineficaz na prevenção destes casos. Muitas destas mulheres já haviam sido sinalizadas pelas autoridades ou equipas de apoio a pessoas sem-abrigo, mas perderam-se no sistema, reaparecendo apenas no momento do parto. O número de gravidezes não vigiadas também disparou na MAC, mais do que duplicando de 51 casos em 2023 para 124 em 2024, o que agrava ainda mais o risco para as mães e para os bebés.
As condições de habitação destas mulheres revelam um cenário desolador. “Nas visitas domiciliárias que fazemos, encontramos mulheres a viver em casas sobrelotadas, em garagens e até num vão de escada. Tivemos um caso de uma grávida que pagava 150 euros por um colchão e um cobertor num vão de escada num prédio no centro de Lisboa, habitado sobretudo por migrantes”, descreve Fátima Xarepe. Esta mulher, oriunda dos PALOP, ficou internada na maternidade com o filho recém-nascido até que fosse encontrada uma solução, que acabou por passar pelo acolhimento de um familiar fora de Lisboa, também em situação de grande fragilidade económica.
O problema não se limita a casos extremos como o da mulher que vivia num vão de escada. Há famílias que, apesar de terem um teto, gastam quase tudo na renda e ficam sem meios para pagar despesas essenciais, como eletricidade e gás. “Temos pessoas a viver com fogareiros de lenha em casa porque não têm dinheiro para pagar a energia”, alerta a assistente social.
A falta de respostas sociais é um dos maiores entraves para resolver a questão. Quando a mãe não quer entregar o filho para adoção nem representa um risco direto para ele, a solução ideal é manter ambos juntos. No entanto, muitas vezes não há vagas em instituições que acolham mãe e filho. “Se ao fim de dois ou três meses a situação não for resolvida, pode ser necessário separar o bebé da mãe”, lamenta Fátima Xarepe, sublinhando que “essa é uma decisão extremamente difícil e dolorosa”.
Este fenómeno não é exclusivo da Maternidade Alfredo da Costa. O número de internamentos sociais está a aumentar noutras unidades hospitalares do país. No Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, foram registados 26 casos em 2024, oito mais do que no ano anterior. No Garcia de Orta, em Almada, houve 30 situações semelhantes, um aumento de cinco casos face a 2023. No Hospital Amadora-Sintra, os números têm-se mantido estáveis: 16 casos em 2022, 18 em 2023 e 14 em 2024.
Em Almada, em nove dos 30 casos, os recém-nascidos tiveram de ser separados das mães e encaminhados para instituições ou famílias de acolhimento. Filomena Almeida, assistente social do hospital, destaca a insuficiência de respostas sociais para acolher estas famílias. “O sistema de emergência social não estava preparado para uma crise habitacional desta dimensão”, admite, sublinhando que a degradação das condições de vida das famílias se acentuou desde 2022, impulsionada pelo aumento dos custos da habitação.