Cartéis na saúde podem ter lesado o Estado em 15 mil milhões de euros em duas décadas, aponta estudo

Os cartéis no setor da saúde lesaram o Estado em quase 1,5 mil milhões de euros entre 2003 e 2023, revelou um estudo da consultora Lisboa Economics, citado pela ‘CNN Portugal’: no entanto, o real impacto pode atingir cerca de 15 mil milhões de euros, uma vez que só foram detetadas 10% das infrações. O estudo indicou ainda que as despesas com a saúde crescem a um ritmo superior ao do PIB, estando atualmente 2,5 pontos percentuais acima do desejável para a sustentabilidade do SNS.

“Não estava à espera destes valores, mas isto é ao longo de cerca de 20 anos e não me admira, porque [a saúde] é um dos setores em que há cartéis relativamente frequentes”, relatou Abel Moreira Mateus, professor de Economia na Universidade Católica Portuguesa e na University College of London. “Isto representa 15% das despesas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e é um dos elementos fundamentais para a insustentabilidade do setor da saúde”, apontou o autor do estudo ‘Cartéis na Saúde em Portugal: Quantificação dos Danos ao Estado’.

Os cartéis em negociação para a compra de bens e serviços são os mais lesivos para as contas públicas, respondendo por danos de 1.719 milhões de euros; já os cartéis de concurso público lesaram o Estado em 217 milhões de euros, sendo que os abusos de posição dominante nos processos de negociação ‘pesaram’ 71 milhões de euros, indicou o estudo. Sem eles, as “remunerações de base do pessoal do SNS poderiam ser aumentadas em cerca de 17%”.

O professor apontou responsabilidades para o Estado, que deve “melhorar os métodos de aquisição e evitar que se formem cartéis”, retomando o controlo da ação. “O Estado não pode negociar com associações de empresas, como fez com os laboratórios [para os testes da Covid-19 e análises clínicas], e como aconteceu com o caso do fornecimento de serviços à ADSE pelos hospitais privados”, apontou Moreira Mateus, lembrando o relatório do Tribunal de Contas que revelou que Estado terá sido lesado em cerca de 150 milhões de euros “por não ter ajustado os preços dos testes, quando os custos determinados pelos preços de importação desses reagentes baixaram substancialmente e o preço [pago pelo Estado] não caiu para refletir essa queda”.

O Estado, avisou o especialista, “tem de promover a concorrência entre diferentes hospitais e laboratórios e não negociar em conjunto ou permitir que esses agrupamentos façam pressão coletiva sob o Estado. Tem de usar o seu poder de mercado para poder obter os melhores custos para a melhor qualidade de prestação de cuidados de saúde”.

“As próprias instituições encarregadas por estas compras têm de ser reforçadas em termos de capacidade humana e de equipamento informático, o que permitiria melhorar muito estes processos; e é preciso fazer uma melhor monitorização da forma como são feitos os concursos públicos”, disse, recomendando a criação de “um organismo independente” para recolher e tratar dados sobre hospitais privados e fornecedores, sendo que estas entidades “fornecem, de forma voluntária, a evolução dos seus custos, de forma a monitorizar os preços acordados com o Estado”.