
Carne, leite, tabaco, soja… É melhor preparar-se para pagar mais por estes produtos com as ‘tarifas Trump’ e retaliação da UE
A União Europeia está a preparar uma resposta firme às novas tarifas comerciais impostas por Donald Trump, com uma lista de produtos alvo pensada estrategicamente para atingir os estados norte-americanos que mais apoiam o presidente dos Estados Unidos. A ofensiva europeia, revelada pelo Politico, abrange desde produtos essenciais como carne e soja até bens com forte carga simbólica, como gravatas da Florida ou lingerie do Ohio e Kentucky.
A retaliação de Bruxelas surge em resposta direta ao endurecimento da política comercial norte-americana, que tem imposto novas tarifas aos seus parceiros económicos. Mas a resposta da UE vai muito além da simples reciprocidade comercial. Trata-se de uma jogada política de precisão cirúrgica, destinada a causar impacto económico e político nos chamados “estados vermelhos”, bastiões eleitorais de Trump.
De acordo com um documento interno da Comissão Europeia, citado pelo Politico, estão previstas tarifas até 25% sobre um vasto conjunto de exportações dos EUA, avaliadas em cerca de 22,1 mil milhões de euros (valores baseados nas importações da UE em 2024). Entre os produtos visados destacam-se soja, carne, tabaco, aço, alumínio, chocolate branco, polietileno e até sumo de laranja.
Soja e carne na linha da frente — impacto também em Portugal
A escolha da soja como alvo não é acidental. Este produto é um elemento-chave na alimentação animal, o que significa que qualquer aumento do seu preço afeta toda a cadeia de produção de carne, leite, queijo ou iogurte. Além disso, cerca de 80% da soja exportada para a Europa tem origem na Louisiana, estado natal de Mike Johnson, atual presidente da Câmara dos Representantes dos EUA e um dos principais aliados de Trump.
Portugal não escapará às consequências desta guerra comercial. Segundo dados do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP), 61% da soja triturada importada por Portugal em 2023 provinha dos Estados Unidos, num valor de quase 137 milhões de euros. Este ingrediente é essencial para alimentar o gado, pelo que o aumento de 25% no custo da soja pode traduzir-se diretamente num encarecimento dos produtos de origem animal no mercado português.
Calendário das tarifas: três fases até final do ano
As medidas serão aplicadas em três fases. A primeira entra em vigor já a 15 de abril, com o regresso de tarifas sobre o sumo de laranja e arandos, anteriormente impostas durante o primeiro mandato de Trump, em 2018, e suspensas em 2021. A 16 de maio segue-se um novo pacote, que inclui tarifas sobre o aço, carne, chocolate branco e polietileno. Por fim, a 1 de dezembro, entra em vigor uma terceira vaga com tarifas sobre amêndoas e soja.
Segundo o Politico, estas medidas poderão afetar cerca de 13,5 mil milhões de dólares em exportações provenientes de estados tradicionalmente republicanos.
Lista inclui produtos com valor simbólico e toque provocador
A lista elaborada por Bruxelas não esconde uma intencionalidade política e até um certo sarcasmo económico. Entre os produtos visados encontram-se verdadeiros ícones das economias locais dos estados pró-Trump: gelado do Arizona, lenços de bolso da Carolina do Sul, cobertores elétricos do Alabama, gravatas da Florida, máquinas de lavar do Wisconsin, massas da Carolina do Sul, e, talvez o mais provocador de todos, lingeries produzidas no Ohio e Kentucky — que permanecem na versão final da proposta.
Fontes comunitárias indicam que a lista será votada esta quarta-feira pelos Estados-membros e não se antecipa grande oposição à sua aprovação.
A indústria agrícola norte-americana, sobretudo o setor da soja, já manifestou preocupação com a escalada comercial e apelou à contenção por parte da administração Trump. “As tarifas não são algo a ser tomado de ânimo leve”, alertaram representantes do setor.
Contudo, Trump mantém uma postura inflexível. Rejeitou a proposta europeia de um acordo de “zero por zero” em tarifas sobre produtos industriais, como automóveis, maquinaria, plásticos e medicamentos, e exigiu que a Europa comprasse 350 mil milhões de dólares em energia norte-americana, prometendo eliminar o défice comercial “em uma semana”.
Apesar da contundência desta primeira vaga de medidas, a Comissão Europeia ainda dispõe de uma carta de peso. Caso as tarifas sobre bens não surtam efeito, Bruxelas poderá avançar com tarifas sobre serviços norte-americanos — uma jogada que poderá abrir um novo e mais perigoso capítulo nesta já tensa guerra comercial.