Atenção aos seus cosméticos: os ingredientes tóxicos que pode estar a usar sem saber
Os produtos de beleza que usamos todos os dias — desde hidratantes a batons, passando por bases ou máscaras — podem conter substâncias químicas persistentes, bioacumuláveis e tóxicas (PBT), capazes de se acumular no corpo e no ambiente ao longo do tempo. Embora a maioria dos ingredientes usados nestes cosméticos seja considerada segura, há uma lista crescente de compostos associados a problemas como desregulação hormonal, alergias e até riscos cancerígenos.
A boa notícia? Não precisa de deitar fora tudo o que tem na prateleira. Mas é essencial saber o que procurar nos rótulos para evitar exposições desnecessárias e fazer escolhas mais seguras — tanto para a saúde como para o ambiente.
Porque continuam estes químicos nos cosméticos?
Ingredientes como PFAS (substâncias per- e polifluoroalquiladas), ftalatos e parabenos continuam presentes em muitos produtos de beleza por causa das suas propriedades difíceis de substituir. Segundo Krupa Koestline, química especializada em cosméticos limpos e fundadora da KKT Labs, em entrevista ao HuffPost estas substâncias melhoram o desempenho dos produtos: prolongam a durabilidade, aumentam a resistência à água, estabilizam ingredientes voláteis e impedem o crescimento microbiano, alargando o prazo de validade.
Por exemplo, os PFAS ajudam a fixar máscaras e batons de longa duração; os ftalatos são usados para prolongar o cheiro de perfumes e estabilizar fórmulas; já os parabenos são conservantes comuns em cuidados de pele e cabelo, prevenindo contaminações. De acordo com Koestline, os produtos mais duradouros e com fragrâncias marcadas tendem a conter níveis mais elevados destes ingredientes questionáveis.
Os principais ingredientes a evitar — e onde encontrá-los
Os rótulos dos cosméticos nem sempre são fáceis de decifrar, e a responsabilidade recai muitas vezes sobre os consumidores. Yashi Shrestha, cofundadora e responsável pela área de química e sustentabilidade da plataforma Novi, alerta para quatro grupos de substâncias com perfil tóxico e elevada persistência: PFAS, libertadores de formaldeído, silicones cíclicos e BHT (butil-hidroxitolueno).
Os PFAS são especialmente difíceis de eliminar do corpo e do meio ambiente devido às suas fortes ligações carbono-flúor. Estão associados a disfunções endócrinas, toxicidade hepática e até cancro. Para os identificar nos rótulos, Shrestha recomenda procurar termos como “PTFE”, “ácido perfluorooctanoico” ou qualquer palavra começada por “perfluoro” ou “polyfluoro”.
Os conservantes que libertam formaldeído, como o DMDM hidantoína, a ureia imidazolidinil e o quaternário-15, são comuns em produtos à base de água, como champôs e cremes. Estes compostos libertam lentamente formaldeído, um carcinogéneo conhecido e irritante respiratório. “Mesmo em concentrações baixas, o formaldeído pode causar dermatite de contacto e reações alérgicas, sobretudo em peles sensíveis”, sublinha Shrestha.
Já os silicones cíclicos, como o ciclotetrasiloxano (D4) e o ciclopentasiloxano (D5), oferecem uma textura sedosa e secagem rápida, sendo populares em primers e bases. Contudo, a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) assinalou estes compostos pelo seu potencial disruptor hormonal e pela bioacumulação ambiental.
Por fim, o BHT, um antioxidante utilizado para prolongar a durabilidade de cosméticos, levanta preocupações devido à sua ligação a efeitos neurotóxicos e à interferência com o sistema endócrino.
“Fragrância” e outros termos enganadores nos rótulos
Para além dos ingredientes em si, existem termos genéricos que devem suscitar desconfiança. “Se vir ‘fragrância’ ou ‘parfum’ sem descrição dos seus componentes, isso é um sinal de alerta”, adverte Shrestha. Estas palavras funcionam como excepções legais — protegidas como “segredo comercial” — permitindo às marcas esconder dezenas ou até centenas de substâncias químicas, muitas das quais controversas.
Este tipo de opacidade é comum em perfumes, produtos de cabelo e maquilhagem de longa duração, onde o aroma e a performance têm grande peso nas decisões de compra. Por isso, Shrestha recomenda, sempre que possível, optar por versões sem fragrância.
Também os rótulos com palavras como “natural” ou “orgânico” devem ser vistos com espírito crítico. Valerie Aparovich, bioquímica e responsável científica da plataforma OnSkin, lembra que esses termos não garantem que o produto seja seguro ou 100% derivado de fontes naturais. “Muitos ingredientes naturais têm potencial alergénico elevado, sobretudo devido à presença de fragrâncias e conservantes naturais”, diz Aparovich, acrescentando que as melhores fórmulas orgânicas combinam ingredientes naturais com outros sintéticos seguros. O mais importante, defende, é que cada componente seja não tóxico e não represente riscos para a saúde humana.
Para quem quer segurança acrescida, Shrestha sugere procurar selos de certificação independente, como Made Safe, EWG Verified, Cradle to Cradle e Cosmos Organic, que seguem critérios rigorosos de avaliação de segurança e sustentabilidade.
Como fazer uma transição segura e gradual
Rever toda a rotina de beleza de uma só vez pode ser avassalador. Por isso, Aparovich recomenda começar pelos produtos de uso diário e de contacto mais direto, como hidratantes, protetores solares e produtos de tez, uma vez que o rosto é a parte do corpo mais exposta a fatores externos e substâncias químicas.
De seguida, devem ser substituídos os produtos labiais — batons, brilhos e bálsamos —, que acabam muitas vezes ingeridos sem darmos conta. A zona ocular, devido à sua sensibilidade, merece também atenção redobrada: sombras, lápis, cremes de olhos e corretivos devem ser analisados com cuidado, pois o contacto com a membrana conjuntiva representa um risco acrescido.
A última etapa deve incidir sobre produtos que se aplicam em grandes áreas do corpo, como loções e protetores solares.
Por fim, Shrestha deixa um aviso crucial: “Só porque sabe o que o produto não contém, não significa que saiba o que ele realmente inclui.” A transparência total da lista de ingredientes é essencial para garantir uma rotina de beleza segura e consciente. Afinal, a verdadeira beleza começa pela informação.