“Até na Guerra Fria as coisas eram mais previsíveis do que hoje”: Guterres lamenta divisão de superpotências mundiais “sem precedentes” devido ao conflito na Ucrânia

António Guterres considera que a guerra na Ucrânia, bem como outros fatores associados, vieram causar um nível de divisão entre países e superpotências mundiais “sem precedentes desde a II Guerra Mundial”, pelo que “até na Guerra Fria as coisas eram mais previsíveis” do que a realidade atual.

As afirmações foram feitas em entrevista a Christiane Amanpour, da CNN, antes da Assembleia Geral da ONU desta terça-feira.

Sublinhando que a “maior prioridade” para este ano é “resgatar e salvar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, Guterres assinala que a situação “é dramática”, especialmente em África.

“A verdade é que estamos atrasado. A situação, especialmente em países em desenvolvimento, é dramática; a situação financeira e de dívida é dramática. São países que não têm acesso aos recursos de que precisam para resolver os problemas dos seus povos. África paga mais de juros da dívida do que de educação”, exemplificou.

“Precisamos de resgatar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e isto significa muitas medidas, encontrar e multiplicar recursos. E pedir ao mesmo tempo que os países tenham boa governação, que combatam a corrupção, que mobilizem recursos e que os alinhem com os objetivos”, considerou o secretário-geral das Nações Unidas.

O português reconhece que o secretário-geral da ONU “não tem nenhum poder, nem dinheiro”, mas que tem “uma voz”. “Que pode ser alta, e eu tenho essa obrigação… E tem alguns poderes de reunião e convergência, de países, do setor privado, da sociedade civil, de organizações, especialistas científicos, da academia… Mas o poder está nos Estados-membros [da ONU]. E o problema é que o exercício desse poder está bloqueado”, lamentou.

“Temos um nível de divisão entre superpoderes potenciais, que não tem precedente desde a II Guerra Mundial; Até na  Guerra Fria as coisas era mais previsíveis do que hoje”, indicou a Christiane Amanpour.

O responsável continuou: “Nessa altura havia dois blocos, mas tudo entre eles era previsível, e garantiam que quando as crises se tornavam muito difíceis, alguma solução seria encontrada, para evitar confronto direto”.

“Hoje é muito mais sério e imprevisível. O drama é que a divisão geopolítica foi dramatizada pela guerra na Ucrânia, e isso está a paralisar decisões que seriam essenciais para nos enfrentarmos os maiores desafios de sempre. A ação climática está a ficar para trás porque não há solidariedade e acordo entre estados-membros. Ou na Inteligência Artificial, por exemplo, o que fazer para juntar os países e para encontrar mecanismos de governação, de forma a garantir que que será bom e não uma ameaça para os países. Precisamos dos países mais unidos do que nunca, mas as divisões geopolíticas estão a paralisar a capacidade para responder a estes desafios”, indicou Guterres.

Questionado sobre a recente reunião entre Putin e Kim Jong Un, e dos potenciais acordos a que os dois possam ter chegado, de fornecimento de armas, e perante a preocupação de que o Presidente russo viole as sanções aplicadas e receba transferências de armamento da Coreia do Norte, Guterres afastou parcialmente estes receios.

“Acho que é essencial que as sanções sejam respeitadas. Putin disse que sim e eu espero que seja o caso. Porque se não teremos outro problema muito grave no trabalho do Conselho de Segurança”, considerou.

Guterres assinalou que os poderes de reunião da ONU são também prejudicados pela resistência russa e posição “clara” de não querer o organismo, nem o seu secretário-geral “como mediador”, e que por isso teve que se enveredar por outros caminhos, referindo a libertação de civis de Azovstal, os esforços no âmbito do acordo dos cereais ou as intervenções em Zaporíjia.

Especificamente sobre a saída da Rússia do Acordo dos Cereais do Mar Negro, Guterres considerou que “está a ameaçar a segurança alimentar global” e que, apesar do “trabalho árduo” da ONU “está-se a ver uma perigosa escalada”.

“Temos visto bombardeamentos incessantes a portos, a locais de armazenamento [de cereais]… e isso está também a ameaçar e a destruir os nossos esforços, porque os países dicam duvidosos da posição russa e podem recusar voltar ao acordo”, lamenta.

 

 

 

 

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