“Ataque e fuja”: o manual de guerrilha para vencer os russos no combate urbano (que já foi descarregado milhares de vezes)

A chave da resistência ucraniana contra um exército russo tão superior é, além da determinação dos seus voluntários e da qualidade do armamento, a sua preparação rápida e eficaz. Ainda que muitos tenham passado – em apenas alguns dias – de profissões normais para se tornarem soldados, têm aplicado a sua resiliência no combate ao invasor e aprenderam o essencial, muitas vezes sob o impacto de bombas.

Um dos instrutores dos novos recrutas, em Lviv, centrou a sua explicação no combate de rua, aquele que tem sido o calcanhar de Aquiles das tropas de Putin, que até ao momento têm sido travados em Kiev, Kharkov, Irpin, Bucha ou Mariupol, graças à tática de guerrilha. “Têm vindo a aprender”, referiu Gregory, militar ucraniano que ensina aos demais o que assimilou como veterano do Iraque e Afeganistão.

Todas as estratégias de Gregory estão compiladas no ‘Minimanual da Defesa Urbana’, um guia elaborado pelo estrategista veterano de combates de rua, John Spencer, com base na experiência em Fallujah ou Bagdad, e já traduzido de inglês para ucraniano. Já foi descarregado para a maioria dos smartphones dos membros da resistência. Eis os principais fundamentos:

Proteja-se no subterrâneo

A primeira coisa que o inimigo vai fazer é bombardeá-lo de longa distância, para destruir as suas estruturas e desmoralizá-lo. “Use as caves para se proteger, assim como as suas armas e comida. Esconda-se em edifícios governamentais, que geralmente são mais fortes. O inimigo pode destruir a cidade mas os detritos vão tornar-se um obstáculo que vai jogar a favor da defesa e impedir o seu progresso – ele estará exposto e você estará protegido”, revela o manual.

Escolha onde lutar, não o inimigo

Analise o mapa e prepare-se para o ataque inimigo antes que aconteça. Feche as ruas que não queira que avancem com todo o tipo de obstáculos e atraia o inimigo até ao ponto que quiser. Tente atrasar o acesso deles através de barreiras e faça-os mover-se em ziguezague. “Uma coluna a mover-se lentamente é um alvo perfeito”, garantiu Gregory. “Faça uma defesa em vários círculos, que custe ao inimigo enormes perdas para superar cada um deles.”

Fique tão perto que o pode ouvir respirar

Quando o inimigo entrar, deixe-o avançar até estar em cima dele. Se o deixar estar perto, não corre o risco de usarem artilharia ou ataques aéreos porque significa colocar-se em risco até de fogo amigo. “É bom que notem a sua presença”, atirou Gregory. “A partir da sua entrada no seu território, deve deixá-lo com medo de ir comer, buscar água, fazer as suas necessidades…”

Mude de posição o tempo todo

“Ataque em grupos de três ou quatro pessoas, no mínimo”, frisa o manual. Se se mexer é menos provável que o ataquem. “Combine com outros grupos para criar situações de fogo cruzado sobre os inimigos. Faça buracos para passar de um prédio para o outro, prepare túneis de fuga”, explicou Gregory. “Deve usar a rede de esgotos da cidade para acertar no inimigo quando ele relaxa.”

Que ninguém o veja

“Não se exponha a ser visto pela aviação ou drones. Lute na sombra”, referiu o instrutor. O manual de combate garante que o inimigo não o deve ver ou saber quantos combatentes está a enfrentar. É essencial não se inclinar para fora das janelas quando dispara mas faça acreditar que atrás de cada janela há uma ‘legião’ de snipers, o terror dos soldados invadores. “Cubra a rua com toldos ou folhas para quem não o possam localizar”, refere o manual. “Use os túneis do metro para se deslocar e tenha sempre uma rota de fuga preparada.”

Sem medo dos tanques

Quanto mais cedo se habituar à ideia de que o inimigo vai usar tanques para entrar na cidade, melhor. Podem ser veículos temíveis mas também vulneráveis. “use mísseis antitanque Javelin ou MLAW para os destruir. Ataque-os de cima ou das caves. Quanto mais perto estiver, melhor. A zona superior do tanque é muito limitada tanto para cima como para baixo, tal como a blindagem é mais fixa no topo do veículo. Ou seja, pode atirar de um quarto andar sem que possam reagir. “Se vão numa coluna, ataque de forma coordenada o primeiro e o último. Assim não podem avançar ou recuar e ficam numa armadilha”, segundo pode ler-se no manual. Se não tiver mísseis antitanque, atire cocktails molotov nas grades do motor.

Não se deixe surpreender

Mantenha sempre dois terços da resistência nas suas posições enquanto o turno que descansa seja de apenas um terço dos defensores – vigie todas as estradas e saídas da cidade sem que o inimigo te veja. Use drones comerciais se não tiver drones de ataque. Mesmo que seja apenas um barulho, já supõem um desconforto ao inimigo. “Os russos não gostam de ser observados do ar”, revelou Gregory.

Bebe água e tenta não adoecer

“Um soldado pode sobreviver apenas três dias sem beber mas três semanas sem comer”, aponta o manual. Purifique a água se puder fazer um fogo sem ser detetado. Tente obter rações de alimentos preparadas e mantenha um local seguro e tranquilo para descansar longe da frente. “Lave as mãos sempre que coma. As doenças matam mais pessoas em cidades sitiadas do que balas.”

Respeite os civis

A guerra tem regras e uma delas é não se vestir como um civil. “Esteja sempre identificado como um militar e não use os mesmos edifícios usados como abrigo pelos civis, como hospitais, escolas ou igrejas. Identifique aqueles lugares como seguros para aquelas pessoas e não se misture para que não sejam alvo do fogo inimigo”, recomenda o manual. “Um militar deve dar prioridade à assistência médica e alimentos para os civis sitiados.”

Atinja e corra

“Um soldado que não protege a sua vida está morto”, explica o manual. Ataque e recue. “Trata-se de fazê-los entender que não vão sentir-se seguros em lugar nenhum, que podem morrer e não se podem esconder para que o seu moral desapareça”, explicou Gregory, garantindo que é isso que está atualmente a passar o exército russo.

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