As vítimas dos efeitos colaterais das vacinas contra a Covid podem exigir indemnização? Especialistas respondem

Agora que o Plano de Vacinação está prestes a começar em Portugal e na União Europeia (UE), são muitas as questões sobre as vacinas e os potenciais efeitos colaterais que trazem e que muitos voluntários já demonstraram ter nos ensaios clínicos.

Por esse motivo, a Executive Digest contactou especialistas, visando aferir se aqueles que são vacinados e desenvolvem efeitos colaterais têm, ou não, direito a exigir uma indemnização à farmacêutica em questão ou até ao Governo.

Fazer prova de negligência ou da falta da devida informação 

As respostas recolhidas convergem num ponto: essas situações são raras e muito concretas, e apenas acontecem caso a pessoa não tenha sido devidamente informada sobre os possíveis efeitos da vacina, ou se prove que houve negligência por parte da farmacêutica.

Tal como explica Paulino Brilhante Santos, Advogado e Sócio da Valadas Coriel & Associados, o «direito a uma indemnização por tais efeitos só existe se as pessoas que os sofrerem puderem demonstrar que houve uma causa direta entre a a administração das vacinas e efeitos secundários adversos causadores de danos para a sua saúde e ainda a natureza desses danos, ou seja, se tais danos se terão traduzido em meros incómodos temporários, ou em danos para a saúde mais definitivos e perigosos».

Para além disso, explica, «é necessário demonstrar que as companhias farmacêuticas produtoras das vacinas, nas fases de ensaios clínicos e nas fases de testes em humanos terão ou agido com dolo, ocultando deliberadamente os efeitos secundários das vacinas; ou agido com negligência ao não terem procedido aos testes com o zelo e cuidados exigíveis necessários».

«Assim sendo, as farmacêuticas só poderão ser condenadas a pagar uma indemnização a quem sofrer tais efeitos se os tiverem ocultado dolosamente ou se por negligência não tiverem informado o público desses efeitos de modo a que a vítima tivesse podido das o seu consentimento informado para tomar as vacinas», assegura o especialista.

A título de exemplo, indica, «a partir do momento em que a Pfizer detetou um efeito secundário perigoso da sua vacina para pessoas que sofrem de alergias graves e informou o público desse facto e deu conselhos e orientações sobre este problema, deixou de poder ser responsabilizada pelos danos para a saúde das pessoas nestas circunstâncias que venham a tomar a sua vacina», reforça.

Já Jane Kirkby, Of Counsel da Antas da Cunha Ecija & Associados, considera que «os efeitos indesejados ou colaterais, a vacinas, são quase inevitáveis e aceites como riscos necessários para alcançar os benefícios que aquelas acarretam para a saúde da população. As reações adversas mais comuns são leves, contudo, em situações mais graves podem conduzir à morte».

Neste sentido, a responsável distingue efeitos esperados dos inesperados. Os primeiros são aqueles que, «independentemente da gravidade, são conhecidos aquando da introdução da vacina no mercado e da respetiva prescrição, que normalmente constam da bula, logo, puderam ser tidas em consideração pela pessoa quando, ponderados os riscos e os benefícios envolvidos, tomou a decisão de tomar a vacina».

Neste caso, «a pessoa que tome a vacina na sequência da qual sofra reações adversas esperadas, ainda que graves, não será indemnizado», porque, tal como consta de um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, citado pela especialista, «o destinatário desta informação tem que ponderar os benefícios e os riscos possivelmente emergentes (na toma da vacina) e adota a decisão de o utilizar ou não». Se aceitar, sabendo de todos os riscos ,«não possui qualquer direito indemnizatório contra a empresa que produz ou comercializa o medicamento», esclarece.

Mas «diferente solução pode dar-se no caso de reações adversas inesperadas», isto é, «cuja possibilidade de ocorrência não era conhecida aquando da introdução da vacina no mercado ou da respetiva prescrição e que, por essa razão, não foi considerada no momento da decisão de tomar a vacina. Entende-se, nestes casos, que a vacina é defeituosa», explica.

Neste cenário, é possível que «o laboratório que produziu a vacina, na qualidade de produtor, possa ser chamado a indemnizar a pessoa que tomou uma vacina e que, em resultado, sofreu uma reação adversa que lhe provocou danos», ainda que tenham de ser provadas as circunstâncias desse defeito.

«Um aspeto importante deste regime favorável ao lesado é que, tratando-se de responsabilidade objetiva, não é necessário ao lesado fazer prova da culpa do produtor», ressalva Jane Kirkby.

E quanto à responsabilidade do Governo?

No que diz respeito à responsabilidade do Governo, «a questão deve ser enquadrada no âmbito do regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas», adianta.  Só se se verificarem, cumulativamente, determinados pressupostos (como ilicitude, ou prejuízo ou dano) é que o Estado poderia ser chamado a indemnizar uma pessoa que sofra danos na sequência de uma reação adversa inesperada à vacina», esclarece Jane Kirkby.

Nesta matéria, Paulino Brilhante Santos destaca que o «Governo só pode ser responsabilizado pela má administração das vacinas. Por exemplo, caso a vacina da Pfizer seja dada a algum cidadão depois de ter sido submetida a temperaturas e por um tempo superior aos determinados pelo fabricante».

«Se já é difícil responsabilizar as farmacêuticas ainda é mais difícil responsabilizar as autoridades de regulação dos medicamentos- quer ao nível europeu quer ao nível nacional- por terem autorizado vacinas que possam vir a produzir efeitos secundários- permanentes ou perigosos- para a saúde das pessoas que tomarem as vacinas», refere ainda o responsável.

O especialista dá ainda nota de que «os critérios para responsabilizar os reguladores partem dos mesmos critérios a usar para responsabilizar as farmacêuticas mas são ainda mais exigentes», uma vez que «seria necessário ainda provar que os reguladores teriam agido de forma complacente ou mesmo em conluio com as farmacêuticas ou que tivessem sido negligentes na análise dos riscos», conclui.

Ler Mais



a carregar...

Comentários
Loading...