António Costa deve tirar lições do ‘desastre’ socialista em Espanha? Politólogos alertam que há avisos políticos a considerar

A derrota dos socialistas de Pedro Sánchez, no passado domingo, nas eleições regionais e municipais em Espanha, tem reflexos em Portugal? Deve o Governo de António Costa refletir sobre os resultados? Recorde-se que o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), atualmente no Governo, manteve a liderança em apenas quatro executivos municipais, menos de metade das nove regiões que liderava.

Os socialistas, à frente do Governo nacional desde 2018, lideravam os executivos regionais de nove das 12 autonomias que tiveram eleições no domingo e perderam em quatro (Aragão, Baleares, Comunidade Valenciana e La Rioja), mantendo outras quatro (Astúrias, Canárias, Castela La Mancha e Navarra). Quanto à Extremadura, que faz fronteira com Portugal, quando estavam contados 97% dos votos, o PSOE era o partido mais votado, mas elegia o mesmo número de deputados do que o PP.

O desastre socialista nas urnas foi motivo para uma conversa com dois politólogos portugueses, que, em exclusivo à ‘Executive Digest’, indicaram que há lições políticas a tirar das intenções de voto no país vizinho.

Segundo Adelino Maltez, professor catedrático de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), “de Espanha, relativamente a Portugal, nem bom vento nem bom casamento. São questões completamente diferentes”, referiu o especialista. “Não acho que tenha outra influência a não ser numas futuras eleições ir António Costa a um comício do PSOE ou Pedro Sánchez a um dos PS. É uma questão de solidariedade entre amigos. Veja-se que o Governo de Espanha é de geringonça, aqui é monopartidário. São processos distintos”, indicou.

No entanto, “há uma viragem à direita” no eleitorado, sublinhou Adelino Maltez, que enumerou que há mais do que uma fronteira entre os dois países. “Em Espanha, o processo de conquista da opinião pública pela direita foi muito mais longo e em Portugal não se chegou a isso”, refletiu. E António Costa, deve analisar os resultados? “São processos diferentes e saliento que estes resultados já tinham sido sociologicamente anunciados, o que não acontece em Portugal. Era uma queda anunciada.”

Até porque os resultados devem-se a, sobretudo, “clicks político e económico” que distinguem os dois países. “Enquanto em Espanha a situação económica e auto-organização da sociedade é muito importante, em Portugal não. Anda tudo atrás do Estado, há uma diferença psicológica. Por um lado a sociedade civil, em Espanha, em Portugal há sempre o recurso ao senhor Estado. Não há autonomia da sociedade civil que há em Espanha”, aludiu.

Já Viriato Soromenho-Marques, filósofo e professor catedrático da Universidade de Lisboa, considerou que o primeiro-ministro deve considerar-se ‘avisado’. “Sim, deve servir de aviso. A questão fundamental é saber se António Costa está em condições de aceitar os avisos que a realidade vai impondo”, apontou, garantindo no entanto “que são realidades diferentes” entre Portugal e Espanha. Ou seja, “os impactos serão tendencialmente semelhantes mas diferentes: semelhantes porque vamos ter a direita com maioria eleitoral. Não será só o PS a descer, suspeito que o Bloco de Esquerda e o PCP, que já desceram, vão manter-se. A direita, se houvesse eleições agora, apanharia o voto de descontentamento.”

Mas então, o que justifica este ‘trambolhão’ socialista em Espanha? Para o politólogo, não foi uma surpresa. “Todos os estudos, assim como a imprensa europeia, apontam para uma tendência bastante generalizada para que os partidos do Governo sejam punidos eleitoralmente. As razões estão relacionadas com a conjugação dos custos sociais, económicos e psicológicos da pandemia e depois os custos da guerra [na Ucrânia]: uma inflação que vinha de trás e aumentou, com as sanções à Rússia a fazerem boomerang e a atingir fortemente as economias dos países europeus”, referiu Soromenho-Marques.

“Mas sobretudo um sentimento de opinião pública de que estamos a navegar sem ninguém saber para onde vai. Há uma sensação de naufrágio e quando assim é as pessoas procuram uma saída. Normalmente não quer dizer que a saída é mais inteligente do que aqueles que estão a causar o naufrágio”, indicou o especialista, sublinhando que “vamos ter uma subida fortíssima da direita em todo o lado, incluindo em Portugal”.

“No nosso caso, caso haja eleições antecipadas, penso que não atingirão ainda o limiar crítico, ou seja, fazer parte de um Governo. Mas no caso do PSD, provavelmente vai-se livrar de ter de levar a extrema-direita para o Governo mas vai depender dela do ponto de vista do Parlamento”, sublinhou. “Este fator guerra, assim como a inflação, tem sido um grande catalisador do descontentamento.”

“Em França, por exemplo, Marine le Pen só precisa de estar viva até às eleições, parece-me, e não fazer muitas ondas porque o descontentamento é generalizado com Macron. Esta é uma tendência geral na Europa, de alguma forma o protesto contra a forma como os países europeus se envolveram imediatamente na resposta americana no conflito da Ucrânia, sem debate e calando as oposições, tudo isto fortalece os movimentos que defendem as perspetivas mais nacionais. Os partidos mais pró-europeus são também os mais pró-guerra, o que é desastroso do ponto de vista liberal”, concluiu.

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