Alterações climáticas agravaram os 10 fenómenos meteorológicos extremos mais mortíferos dos últimos 20 anos
O impacto do aquecimento global na intensificação dos eventos meteorológicos extremos foi recentemente confirmado num estudo conduzido pela rede científica internacional World Weather Attribution (WWA). Este trabalho analítico concluiu que o clima aquecido intensificou e tornou mais prováveis os dez fenómenos naturais mais devastadores registados nos últimos 20 anos, resultando em mais de 576 mil mortes. Segundo o relatório, divulgado hoje, o aumento de eventos como ondas de calor, ciclones e inundações foi diretamente influenciado pelas atividades humanas, sobretudo a queima de combustíveis fósseis e a desflorestação.
A investigação revisou três ciclones tropicais, quatro ondas de calor, uma seca e duas inundações ocorridos entre 2004 e 2023. Estes eventos, de acordo com os cientistas, foram diretamente intensificados pelo aumento de temperatura global, o que os tornou mais severos e mortíferos. Entre os fenómenos climáticos analisados encontram-se duas ondas de calor recentes, em 2022 e 2023, que afetaram especialmente a Europa, incluindo Portugal e Espanha, e causaram mais de 90.500 vítimas mortais.
Joyce Kimotai, investigadora do Centro de Política Ambiental do Imperial College de Londres e uma das autoras do estudo, sublinha que o aquecimento global já está a tornar a vida “incrivelmente difícil e perigosa”. Kimotai alerta que, apesar do aquecimento médio global ainda estar a cerca de 1,3 graus acima dos níveis pré-industriais, os impactos são significativos e mortíferos. “Este aumento já revela efeitos devastadores, e estamos num ponto em que a nossa capacidade de resposta se torna urgente”, sublinha a investigadora.
Ondas de calor, ciclones e outros desastres com marca do aquecimento global
O estudo da WWA identificou eventos como o ciclone Sidr, que atingiu o Bangladesh em 2007, causando 4.324 mortes; o ciclone Nargis, que devastou Myanmar em 2008, matando 138.366 pessoas; a onda de calor de 2010 na Rússia, responsável por 55.736 mortes; e a seca de 2010 na Somália, que vitimou 258.000 pessoas. Estes são apenas alguns exemplos que, de acordo com os investigadores, demonstram que o aquecimento global impulsionou a intensidade e frequência dos fenómenos naturais.
A análise da WWA também mostra que o aumento das temperaturas e das secas intensificou as ondas de calor em França em 2015, que causaram 3.275 mortes. Mais recentemente, as ondas de calor de 2022 e 2023 na Europa mataram 53.542 e 37.129 pessoas, respetivamente, demonstrando que o fenómeno é especialmente letal e frequente no continente europeu.
A cofundadora da WWA, Friederike Otto, reforça a ligação entre o aquecimento e a intensidade dos eventos. “Cada grau de aquecimento permite que a atmosfera retenha mais humidade, o que intensifica as chuvas e torna os eventos de precipitação mais extremos”, explica Otto. O recente episódio de gota fria em Espanha, embora ainda sem uma análise de atribuição definitiva, é mais um exemplo de como o aquecimento global pode estar a intensificar este tipo de fenómenos climáticos explosivos.
Consequências evitáveis e apelo à adaptação climática
O estudo da WWA destaca também que muitas das mais de 576 mil mortes registadas poderiam ter sido evitadas com melhores estratégias de preparação e mitigação. “Muitos países não estão preparados para responder aos extremos climáticos, e isso torna a adaptação climática uma necessidade urgente”, alerta Joyce Kimotai. A investigadora recomenda a implementação de sistemas de alerta precoce, bem como a modernização das infraestruturas para que estas resistam aos efeitos do clima extremo.
A fundadora da WWA, Friederike Otto, destaca ainda o papel dos media na consciencialização pública para os impactos do aquecimento global. “Graças às reportagens sobre os nossos estudos, as pessoas começam a compreender que o aquecimento global não é uma abstração, mas algo que afeta as suas vidas e que exige ação”, reforça Otto.
A publicação deste estudo coincide com os 10 anos da WWA, entidade que desde a sua criação tem desenvolvido mais de 80 estudos de atribuição climática. Estes estudos, desenvolvidos para associar diretamente eventos climáticos específicos às mudanças provocadas pelo aquecimento global, têm como objetivo alertar para o facto de o clima já estar a tornar a vida perigosa e sublinhar a urgência de ações concretas que preparem a sociedade para os desafios climáticos.
Foco nos eventos climáticos mais mortíferos
Os cientistas da WWA basearam-se em seis estudos de atribuição pré-existentes e realizaram quatro novos para este relatório, revelando que os eventos extremos analisados se tornaram mais intensos devido ao aumento das temperaturas globais. Além disso, alertam que as políticas climáticas atuais são insuficientes para travar o aquecimento global, que poderá ultrapassar os três graus Celsius nas próximas décadas, segundo a ONU. Esta previsão implica um agravamento dos fenómenos climáticos, tornando ainda mais urgente a adaptação das cidades, a atualização de infraestruturas e a implementação de sistemas de alerta eficazes.
Para o futuro, os especialistas recomendam que todos os países reforcem os seus sistemas de preparação e adaptação climática, investindo em tecnologias de prevenção e educação pública. A adaptação não apenas reduzirá o número de mortes e danos, como também ajudará as comunidades a tornarem-se mais resilientes perante um clima em rápida transformação.