
Acusações, ameaças, detenções e até ursos foram destaques em campanha eleitoral suja: Eslováquia vai a eleições este sábado sob a ameaça de virar a favor da Rússia
As eleições gerais deste sábado na Eslováquia não deverão garantir um Governo estável mas coloca um ponto final numa campanha eleitoral particularmente ‘suja’, marcada por um ex-primeiro-ministro e um ex-ministro do Interior numa luta ferrenha, detenções de altos funcionários, muitas queixas de corrupção e ameaças de morte a uma diretora de um teatro que pretendia estrear uma peça com jovens a desfilar com bandeiras ucranianas. Mas em particular destaque, o fim da ‘hibernação política’ de Robert Fico.
Há três anos e meio, o antigo chefe de Governo eslovaco era considerado politicamente acabado – as investigações sobre o assassinato do jornalista Jan Kuciak e da sua noiva, Martina Kusnirova, provaram que, sob o seu comando, a máfia italiana tinha influência até nos mais altos escalões do Governo. Forçado a deixar o cargo após os maiores protestos desde a era comunista, Fico deixou uma promessa: “Voltarei.”
O regresso parece iminente uma vez que lidera as sondagens: o seu partido Smer poderá obter até 18% dos votos, sendo que o principal rival, o liberal Eslováquia Progressista, garante 16,6%. O Hlas, formação política formada por pessoas que deixaram o Smer, tem 13,7%. Os demais partidos estão abaixo dos 10%, incluindo o de extrema-direita Republika, com 7,7% das intenções de voto.
Se se confirmarem as sondagens, a formação de Governo vai exigir muito jogo de cintura. Mas Fico é já o principal vencedor das eleições: a situação política no país, o seu discurso populista e os sentimentos pró-Rússia têm-no favorecido junto do eleitorado.
Uma sondagem do jornal ‘Denník N’ apontou que os eslovacos querem um governante forte e autocrático: 30% dos eslovacos não se importariam que o seu país regressasse à esfera de influência russa. Na campanha, Fico passou a mensagem que o conflito na Ucrânia iniciou-se em 2014 por “nazis e fascistas ucranianos”, que pretende suspender o fornecimento de armas àquele país e que vai cortar a ajuda aos refugiados ucranianos. Criticou também a presença da NATO no país e atacou a presidente eslovaca, Zuzana Aputova, chamando-a de “agente americana”. Sublinhe-se que a Eslováquia faz parte da União Europeia e da NATO, o que coloca naturais preocupações no Ocidente.
Robert Fico, um advogado de 59 anos, tornou-se progressivamente mais nacionalista, radical e conservador, com uma visão económica de esquerda. A campanha, como referido, foi particularmente ‘suja’: a 17 de agosto, altos funcionários do aparelho de segurança do país viram os seus gabinetes invadidos após a detenção temporária do chefe de polícia, Tibor Gapar. Até uma controvérsia sobre ursos pardos provocou mossa: é uma espécie protegida pela UE mas na Eslováquia – que conta entre 1.012 e 1.275 ursos – os políticos populistas estão a explorar o medo das pessoas, em particular no mundo rural, após uma série de ataques.
Por último, no atual contexto de campanha, não surpreendeu ninguém quando a diretora do Teatro Hviezdoslav de Bratislava, Valeria Schulczova, apresentou a sua programação que mereceu um coro de críticas – a imagem principal continha jovens a desfilar sob bandeiras ucranianas, antifascistas e de arco-íris. Dias volvidos, a fachada do teatro foi vandalizada, com mensagens de violação e decapitação da diretora: milhares de pessoas assinaram uma petição online a exigir a sua demissão. Uma manifestação de apoio foi boicotada por um gangue de motards ligado a grupos extremistas pró-Rússia.