
Abuso sexual de menores. Número de crimes dispara 25% nos últimos quatro anos, mas detenções diminuem
Os crimes sexuais contra crianças e jovens em Portugal registaram um aumento preocupante de 25% nos últimos quatro anos, culminando em 1041 ocorrências no ano de 2023. Este valor, divulgado pelo Jornal de Notícias com base em dados do portal oficial do Estado para as Estatísticas da Justiça, representa o número mais elevado de casos desde 2015, ano em que foram iniciados 1044 inquéritos. Em contraste com este aumento alarmante, as detenções relacionadas com estes crimes sofreram uma queda significativa de 25,4% no mesmo período.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) também confirma esta tendência de crescimento, tendo registado mais de 5100 crimes sexuais contra menores desde 2022, o que representa um aumento de 48% nos seus registos. Carla Ferreira, da APAV, admite que este aumento pode refletir tanto um crescimento real da criminalidade como uma maior predisposição das vítimas para denunciarem os casos. Contudo, a associação alerta para o facto de muitos casos permanecerem ocultos, sublinhando que os números reportados são provavelmente apenas uma pequena parte da realidade.
Os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2024 revelam que o abuso sexual de crianças representa a maioria dos inquéritos de crimes sexuais, correspondendo a 38% do total. A violação surge em segundo lugar, com 20%, seguida da pornografia de menores, com 13,8%. No conjunto, os crimes sexuais contra crianças e menores representam 60,6% de todos os inquéritos de natureza sexual. O RASI detalha ainda que a faixa etária mais vulnerável ao abuso sexual é entre os 8 e os 13 anos, representando 68,4% das vítimas.
Para além do abuso sexual, os inquéritos relacionados com pornografia infantil e lenocínio de menores de 16 anos também registaram um aumento significativo. Estes casos passaram de 85 em 2022 para 131 no ano passado, representando um acréscimo de 54%. Este aumento sublinha a crescente exploração sexual de crianças e jovens através de diferentes formas de criminalidade.
Um aspeto particularmente preocupante é a diminuição do número de detenções relacionadas com crimes sexuais contra menores, apesar do aumento das denúncias e dos registos da APAV. Segundo o RASI, o número de suspeitos detidos por abuso sexual de crianças diminuiu de 114 em 2022 para apenas 85 em 2024. Considerando todos os crimes sexuais contra menores, o número anual de detidos também registou uma queda de 186 para 162 no mesmo período, uma diminuição de 13%.
O caso de Ana, que começou a ser abusada pelo tio-avô aos seis anos durante passeios em Sintra, ilustra o longo sofrimento muitas vezes silenciado pelas vítimas. Os abusos, que se prolongaram por cinco anos e envolveram também um amigo do agressor, deixaram marcas profundas. Ameaçada e com medo, Ana guardou a dor durante quase dez anos até finalmente ganhar coragem para denunciar o caso em 2024. O tio-avô, agora com 61 anos, e o seu cúmplice foram detidos pela Polícia Judiciária e aguardam julgamento.
Carla Ferreira, da APAV, enfatiza a necessidade de um diagnóstico nacional da vitimação para obter uma compreensão mais precisa da realidade dos crimes sexuais contra crianças em Portugal. A gestora da rede APAV Care assegura que o que está a ser reportado é apenas uma pequena fração do que efetivamente acontece, sublinhando a urgência de medidas mais eficazes para proteger as crianças e responsabilizar os agressores.