“A importância dos EUA para Portugal merece alguma atenção, mas a importância da Europa é cerca de 10 vezes superior”

Dias depois de Donald Trump ter-se tornado o 45º presidente dos Estados Unidos, o analista britânico Paul Donovan falou com a Executive Digest sobre o possível aumento daquele país aos produtos europeus. Donovan desdramatizou a imprevisibilidade de Trump e relembro que o papel da Europa é mais importante para a economia portuguesesa.

Acredita Trump vai tributar todos os produtos da UE, ou vai escolher sectores específicos? E, em caso afirmativo, tem alguma ideia de quais serão os sectores visados?
O presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, tem como característica ser imprevisível, pelo que é difícil ter certezas. No entanto, penso que um cenário provável é que a Europa faça parte de um imposto universal. Por exemplo, em 2018, Trump taxou todas as importações de máquinas de lavar roupa de qualquer país. Qualquer máquina de lavar roupa ou peça de máquina de lavar roupa europeia vendida nos EUA foi tributada, mas o mesmo aconteceu às exportações de todos os outros países. Os sectores variam, e tanto a política como a economia são factores determinantes. Foram mencionados os sectores automóvel, siderúrgico e farmacêutico. Também é possível que haja impostos específicos sobre determinados produtos europeus (não aplicados às importações de outros países). Contudo, considero improvável a aplicação de tarifas a todos os produtos europeus.

Quais são as potenciais consequências a longo prazo para as relações comerciais entre os EUA e a UE se estas tarifas forem aplicadas?
Mesmo que as tarifas não sejam aplicadas, já se registaram danos. O facto de Trump parecer disposto a romper acordos comerciais com o Canadá e o México levanta dúvidas sobre se os EUA honrarão futuros compromissos comerciais. A Europa está presumivelmente menos disposta a fazer concessões aos EUA nas negociações comerciais, se tiver menos certezas de que os acordos serão cumpridos. Penso que, pelo menos do lado europeu, o comércio tenderá a ser posto de lado nas relações internacionais. Se houver um litígio comercial, este não impedirá necessariamente a cooperação noutros domínios (segurança, defesa, etc.). A questão do fentanil com o Canadá e o México pode ter sido uma desculpa, mas sugere que, do lado dos Estados Unidos, os litígios comerciais podem ter repercussões noutras áreas.

Acredita que irá surgir uma nova era geopolítica? Os países BRIC vão reagir? E quanto ao Canadá e ao México? Continuarão também a enfrentar estas taxas?
Não creio que isto altere assim tanto a geopolítica. O comércio não é tão importante como as pessoas tendem a pensar (por exemplo, apenas cerca de 3% do PIB europeu são exportações para os EUA). O grupo BRICS não é realmente uma força credível — não existe um objectivo comum e os interesses económicos dos membros são muitas vezes diametralmente opostos. Na minha opinião, a ameaça dos EUA de tributar o Canadá e o México está efectivamente ultrapassada. Poderemos ter ruído em torno desta questão, mas penso que Trump percebeu claramente o quão prejudicial seria (aumento imediato dos preços dos alimentos e dos combustíveis no consumidor norte-americano, perda de postos de trabalho no sector automóvel, etc.). O boicote não oficial dos consumidores canadianos aos produtos norte-americanos poderá ser mais duradouro.

Qual é a resposta provável da UE a estas tarifas e de que forma poderá agravar as tensões comerciais?
É provável que a Europa responda com impostos comerciais estratégicos sobre as importações produzidas em zonas politicamente importantes dos Estados Unidos. Trata-se de uma resposta bastante normal e é pouco provável que seja demasiado significativa. As acções não oficiais, como o aparente boicote aos carros da Tesla, são realizadas por razões mais gerais e estão obviamente fora do controlo da Comissão Europeia. Uma resposta mais agressiva aos impostos sobre o comércio pode ser analisar a regulamentação e a tributação de, por exemplo, as empresas tecnológicas dos EUA. Isso pode ser um factor de agravamento das tensões comerciais.

 Quais poderão ser as consequências potenciais para as empresas dos EUA e da UE, nomeadamente para as pequenas e médias empresas?
Mais uma vez, temos de ter cuidado para não dar demasiada importância ao comércio. A maioria das empresas europeias são empresas do sector dos serviços e não da indústria transformadora, e as que se dedicam à indústria transformadora vendem sobretudo a clientes europeus e não a clientes norte-americanos. O comércio europeu com o Reino Unido, o Canadá ou a Ásia não seria directamente afectado pela aplicação de um imposto sobre as vendas aos consumidores norte-americanos. A maior ameaça não será provavelmente a tarifa em si, mas o risco potencial para o sentimento. Dado que existe uma tendência para pensar que o comércio de mercadorias é mais importante do que é na realidade, o anúncio de tarifas pode criar um sentimento mais negativo do que o justificado, o que teria consequências para a procura interna, etc. 

Quais serão as consequências para países como Portugal, onde o mercado norte-americano se está a tornar um dos mais importantes, nomeadamente para as indústrias do vinho e da cortiça?
As exportações de Portugal para os EUA valem cerca de 2% do seu PIB (portanto, menos do que a média europeia). As exportações de cortiça e madeira para os EUA valem um pouco menos de 0,1% do PIB. A questão que se coloca é se existem substitutos locais para as exportações de Portugal — provavelmente “sim” no caso do vinho, por exemplo, mas menos claro no caso da cortiça. As garrafas com tampa de rosca são, talvez, um substituto. Quando existem concorrentes nacionais para as exportações portuguesas, as tarifas são mais prováveis e poderão causar mais danos a esse sector. Se não houver concorrentes nacionais, as tarifas são menos prováveis e, se ocorrerem, o volume de mercadorias vendidas não deverá ser muito afectado. Globalmente, a importância dos EUA para Portugal merece alguma atenção, mas a importância da Europa é cerca de 10 vezes superior (e mesmo o Reino Unido tem cerca de dois terços da importância dos EUA).