2024 foi um ano difícil para a segurança alimentar: Por que é que o surto de E. coli no McDonald’s pode ser um sinal de que mais está por vir

Um surti de E. coli num restaurante do McDonald’s nos Estados Unidos levou a quase 50 infeções relatadas em 10 estados e uma morte: o surto, que a cadeia de fast food acredita ter tido origem num único e enorme fornecedor de cebola, chegou poucos meses depois de os frios contaminados da Boars Head terem resultado no maior surto de listeriose em mais de uma década.

De acordo com a ‘Popular Science’, os especialistas em segurança alimentar salientaram que o aumento em erros fatais de segurança alimentar pode resultar de uma mistura caótica de cadeias de abastecimento globais complicadas, lentidão regulatória e mudanças na dieta por alimentos pré-preparados propensos a bactérias.

O que aconteceu com os McRoyal Cheese (Quarter Pounder, na versão americana)?

Segundo o CDC (Centros de Controlo de Doenças), a primeira infeção ligada ao hambúrguer McRoyal Cheese foi relatada em setembro: desde então, levaram a pelo menos 10 hospitalizações e uma morte em cerca de 10 estados americanos. Houve também 49 casos de E. coli ligados aos hambúrgueres em todo o país – embora o número possa ser maior, uma vez que há pessoas que recuperam de infeções por conta própria, sem entrar em contacto com as autoridades de saúde. As idades dos casos relatados variam entre os 13 e 88 anos.

A maioria das infeções concentrou-se em dois estados: Colorado e Nebraska. A escala massiva do McDonald’s pode dificultar a identificação da origem dessas infeções, pelo que o número total de casos pode vir a aumentar nos próximos dias ou semanas. De acordo com estimativas da agência ‘Associated Press’, há 14 mil restaurantes do McDonald’s nos EUA e servem até um milhão de McRoyal Cheese a cada duas semanas apenas nos 12 estados afetados.

A investigação sobre a origem do surto ainda está em marcha, mas o McDonald’s sublinhou que as infeções estão ligadas a cebolas fatiadas usadas especificamente nos quarter pounder. Estas vêm diretamente de um fornecedor, a Taylor Farms, que tem três centros de distribuição – na semana passada, a empresa alimentar fez um recall dos seus produtos de cebola crua. Já o gigante do fast-food retirou temporariamente o hambúrguer de restaurantes no Colorado, Kansas, Utah e Wyoming. Também não serão servidos em algumas lojas em Montana, Nebraska, Novo México e Nevada. A Yum Brands, que supervisiona a Taco Bell, Pizza Hut e KFC, também divulgou uma declaração a dizer que pararia de vender cebolas frescas em certos locais por “excesso de cautela”

“Estamos a trabalhar em estreita parceria com os nossos fornecedores para repor o stock do Quarter Pounder nas próximas semanas (o tempo irá variar de acordo com o mercado local)”, referiu Cesar Piña, Chief Supply Chain Officer do McDonald’s North America. “Enquanto isso, todos os outros itens do menu, incluindo outros produtos de carne bovina (incluindo o Cheeseburger, Hamburger, Big Mac, McDouble e o Double Cheeseburger) não serão afetados e estarão disponíveis.”

O que é E. coli e como se espalha?

E. coli, formalmente chamada de Escherichia coli, refere-se a uma bactéria comummente encontrada nos intestinos de pessoas e animais. A maioria das variantes da bactéria é inofensiva, mas algumas podem espalhar-se por alimentos e água e causar doenças graves em humanos. A bactéria é frequentemente transmitida aos humanos após o consumo de produtos animais infetados ou pela ingestão de produtos cultivados que utilizaram água infetada. A E. coli afeta cerca de 74 mil pessoas nos EUA a cada ano, levando a mais de 2 mil hospitalizações e cerca de 61 mortes.

A investigação recente do CDC revelou que a bactéria encontrada em pessoas infetadas partilhava o mesmo ADN, apesar de os seus hospedeiros humanos viverem em estados diferentes – o Quarter Pounder era o fio condutor. Essa informação sugere que a bactéria teve origem numa única fonte ou fornecedor. Nesse caso, tanto o McDonald’s quanto os reguladores parecem cada vez mais confiantes de que a carne bovina não foi responsável, já que a empresa cozinha os seus hambúrgueres em temperaturas altas o suficiente para matar a bactéria. O que faz das cebolas ‘o principal suspeito’.

A segurança alimentar dos EUA é complicada e está sob constante pressão de interesses comerciais

Segundo a ‘Popular Science’, os especialistas descreveram um aparato de segurança alimentar nos EUA marcado por jurisdições de agências complicadas e lacunas regulatórias. A segurança alimentar é amplamente dividida entre o USDA, que supervisiona carnes e aves, e o FDA, que é responsável por vegetais e outros alimentos. Darin Detwiler, professor da Northeastern University e consultor de segurança alimentar, salientou que esta dicotomia pode “causar lacunas na supervisão”, especialmente em categorias de produtos como hambúrgueres, que geralmente misturam produtos frescos e proteínas. De acordo com o responsável, as vastas e extensas cadeias de abastecimento podem criar “pontos cegos” que resultam em contaminação.

“Uma única fonte contaminada pode impactar centenas de locais, como visto em surtos nacionais”, sustentou Detwiler. “A rastreabilidade geralmente está ausente, dificultando a rápida identificação da origem da contaminação.”

Agências reguladoras como a FDA também são notoriamente subfinanciadas e enfrentam pressão de grupos de interesse em alimentos para policiar ‘com mão leve’. Uma investigação do jornal ‘POLITICO’, em 2022, sublinhou que o departamento estava a desviar a atenção dos alimentos para medicamentos.

Mudanças nas dietas contribuem para o aumento dos recalls

Os desafios regulatórios podem não contar toda a história quando se trata da recente onda de surtos de bactérias. Os americanos estão a comer cada vez mais “refeições prontas” pré-preparadas do que antes, uma tendência possivelmente acelerada pelos bloqueios da era da pandemia da Covid-19. Essas refeições prontas podem incluir produtos de carne congelados que podem passar semanas ou meses em arcas frigoríficas ou congeladores, o que, segundo Detwiler, pode dar à listeriose mais tempo para crescer – lapsos no planeamento em fábricas ou falhas nos controlos rígidos de temperatura podem aumentar ainda mais o risco de surtos. “Se houver falhas na gestão da cadeia de frio (o processo de manter os alimentos na temperatura certa da produção ao consumo), a listeria (bactéria responsável pela listeriose) pode multiplicar-se em alimentos que deveriam ser mantidos refrigerados”, apontou Detwiler.

Por outro lado, avanços em tecnologias de teste, como sequenciamento do genoma completo, significam que os supervisores podem estar a melhorar na deteção de sinais de listeria mais cedo, o que pode resultar em mais recalls.

Segundo o diretor de política alimentar da Consumer Federation of America, Thomas Gremillion, os recentes surtos mortais no McDonald’s e Boars Head são lembretes sombrios de que, embora os padrões de segurança alimentar melhorem em alguns aspetos, é importante que os consumidores e reguladores mantenham a guarda alta. Verões mais longos e quentes, apontou, também podem aumentar o risco de contaminação em instalações de alimentos por insetos e pragas.