«2020 é um ano adiado»
A Banca está bem preparada para esta crise depois de tudo o que se passou na crise financeira a partir de 2008?
De uma maneira geral o sistema bancário português está mais preparado para absorver choques económicos do que em 2008. De facto, a Banca não está tão alavancada em crédito, tem mais liquidez, e também tem mais capital. Nesta circunstância, sim está mais preparada.
Esta crise é diferente daquela que vivemos nessa altura?
A diferença prende-se com o impacto ao nível da economia, nos micronegócios e ENIS. Desta vez, o que prevemos é uma crise na economia e não uma crise bancária.
Quais as medidas mais importantes para lhe dar resposta desde já?
A Banca precisa de se dotar de capitais próprios suficientes para suportar o crescimento dos níveis de NPL e bem assim como do crescente malparado no crédito. Precisa de flexibilizar algumas exigências regulatórias e de poder ser um efectivo apoio à economia, derrogando algum preçário de serviços por forma a facilitar o cumprimento das obrigações por parte dos clientes. Deve estar preparada para nos próximos dois anos sobreviver com resultados mais modestos.
De que forma o Crédito Agrícola se organizou internamente para responder à pandemia?
Foi necessário muito rapidamente dotar os postos de trabalho dos funcionários com ferramentas informáticas que dessem resposta ao teletrabalho. Do mesmo modo, criámos planos de contingência e adoptámos uma nova forma de trabalho, garantindo a mesma qualidade aos clientes, protegendo os funcionários e os clientes.
Nas agências, tivemos de alterar os atendimentos e criar regras de acesso. Em suma, foi necessário reinventar uma forma de trabalhar garantindo qualidade de serviço.
Que planos para este ano o surto de Covid-19 anulou?
Todo o plano de actividades e orçamento foi colocado em causa já que os seus fundamentais foram seriamente afectados de uma forma repentina. Planos de investimento e de expansão do negócio foram afectados e aguardamos a reabertura da economia para tomar decisões. 2020 é um ano adiado.
Além das medidas de contingência para fazer face ao imediato, acredita que esta crise pode acelerar uma revolução no sector bancário?
Pode. Penso que o sector bancário sofrerá profundas alterações designadamente na oferta a clientes e na forma como a mesma chegará.
A visita presencial aos balcões dos bancos pode passar a ser uma coisa do passado mais depressa do que nós pensávamos?
Haverá sempre necessidade de acesso aos balcões de forma física. No entanto, os clientes ajustar-se-ão mais rapidamente à banca online e de acesso remoto. A banca digital irá, certamente, ocupar espaço da banca tradicional.
Os últimos meses foram um verdadeiro teste à capacidade digital dos bancos – e de outros sectores. Foi pacífico viver durante algum tempo praticamente sem actividade nos balcões?
Não foi pacífico, foi surpreendentemente diferente. Viveu-se um clima de medo. Os funcionários temiam os clientes, e estes só em última instância iam aos balcões. Foi, de facto, um período de grande adaptação a uma nova realidade.
O que vai acontecer agora ao crédito?
A disponibilidade da Banca para conceder crédito vai ser mais limitada, pelo menos enquanto não forem claros os sinais de retoma económica. É necessário haver confiança e os bancos tenderão a limitar as suas análises de risco e ponderar os sectores mais expostos.
Na sua opinião, quais os pontos essenciais para que esta crise não se torne mais duradoura do que o necessário?
É necessário abrir a economia, designadamente o turismo. Criar condições para avaliar as condições de saúde das pessoas, rastrear e permitir o negócio internacional.
Acredita que a recuperação seja rápida, apesar da profundidade da crise, como alguns economistas prevêem?
Não acredito. Penso que alguns sectores e algumas actividades quase deixarão de ter capacidade para sobreviver. Se houver, de facto, uma vacina ou um medicamento que transmita confiança às pessoas, sim, a recuperação será rápida. Mas o estado de pânico é imenso.