Não é só o calor. Anomalias climáticas em todo o mundo deixam cientistas alarmados e com mais perguntas do que respostas

Junho já tinha sido historicamente e previa-se um julho que fosse um vislumbre de um futuro de efeitos de alterações climáticas, com anomalias previstas que excediam o normal até então registado. Só não se esperava que acontecessem num tão grande espectro de eventos.

Pedro Gonçalves
Agosto 5, 2023
16:00

Junho já tinha sido historicamente e previa-se um julho que fosse um vislumbre de um futuro de efeitos de alterações climáticas, com anomalias previstas que excediam o normal até então registado. Só não se esperava que acontecessem num tão grande espectro de eventos.

Chuvas históricas, devastadoras e mortais na Índia e em Vermont, nos EUA, país onde também incêndios devastaram florestas, tal como no Canadá. Igualmente, violentos fogos florestais em Itália e na Grécia, que viveram ondas de calor abrasador, acima dos 42ºC em algumas zonas.

As mudanças foram tão bruscas e as anomalias climáticas tão anormais que estão a causar preocupação e a fazer soar os alarmes da comunidade científica.

Uma grande preocupação está no gelo do Antártico, que está no nível mais baixo de sempre para a época. As temperaturas da superfície da água do Atlântico Norte estão “em valores recorde”, segundo o Serviço Europeu de Alterações Climáticas Copernicus, com “uma margem muito grande”. Também as águas na costa sul da Flórida estão a subir para valores muito altos nos últimos dias, temendo-se pela vida da única barreira de corais viva dos EUA (continental).

“Sabíamos que estas coisas iam acontecer, são as previsões há muito tempo. Por outro lado, este ano, em particular, parece tudo tão extremo. E o tamanho das anomalias climáticas é surpreendente”, assinala Claudia Tibaldi, cientista do Pacific Northwest National Laboratory.

Estas ‘surpresas’, efeitos das alterações climáticas, parecem estar a ocorrer a uma velocidade superior ao esperado, devido ao crescente aquecimento global, que não parece estar a ser travado pelos esforços de travar o aumento da temperatura média global em mais 1,5º Celsius do que quando comparado aos níveis pré-industriais (estamos já nos 1,1) o que, segundo David Armstrong McKay, explica ao The Washington Post, poderia desencadear “pontos de inflexão”.

O investigador da Universidade de Exeter explica que se a tendência continuar, vão ver-se efeitos com o desaparecimento dos recifes de coral, aumento massivo do nível das águas devido ao colapso das camadas polares e degelo generalizado, ou o desaparecimento de ecossistemas como a floresta amazónica. Mas indica que os eventos não se darão de um dia para o outro, ou seja, que as mudanças que se revelariam críticas já só farão soar os alarmes quando for tarde demais, e já nada houver a fazer para reverter o processo em alguns casos. “No entanto, o especialista indica que “não espera que estes anos quentes desencadeiem diretamente pontos de ação climáticos”, pelo menos por agora.

O fenómeno do EL Niño, que normalmente traz águas mais quentes, não explica tudo. A diminuição da cobertura de nuvens e a audencia de nuvens de poeira do Saara podem estar a permitir que mais luz solar atinja as águas, mas não se sabe ao certo todas as respostas para o que está a fazer aumentar as temperaturas tão rapidamente nos oceanos.

“Isso é de levantar o sobrolho, para mim. Aconteceu demasiado rápido”, indica Gavin Schmidt, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA.

Outro recorde preocupante é o do gelo do Antártico. Atingiu o valor mais baixo recorde em 2017, mas nos últimos dois anos atingiu novos valores recorde inferiores durante o verão no hemisfério sul. Agora, em setembro, é esperado que tenha o máximo de gelo que será o mais baixo de sempre. Especialistas apontam que será tão pequeno que só ocorreria uma vez em milhões de anos, se não fosse a ação humana.

Agosto vai trazer nova onda de calor acima de 40ºC e várias regiões, esperam os cientistas, que também têm expectativa que a repetição da frequência dos eventos extremos alerta os Governos e decisores mundiais para a urgência da tomada de ação efetiva para travar o processo de aquecimento global.

“Este pode ser um exemplo do que será o normal num mundo de 1,5ºC acima da média. Mesmo se pararmos as emissões [de gases de efeito estufa] amanhã, teremos de lidar com essa realidade climática. Isto deve ser um lembrete claro de que estamos a viver numa realidade que já mudou e, se quisermos ser resilientes, precisamos investir em todos os tipos de frentes”, termina Tibaldi.

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