Metanol como vetor de energia de origem renovável

Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros

A abordagem à intermitência e despachabilidade das tecnologias energéticas renováveis, nomeadamente as eólicas e as fotovoltaicas, tem sido frequente. Nem sempre o consumo da energia corresponde à sua produção, criando-se períodos de excesso de produção e também, eventualmente, períodos que necessitam de reforço de produção, com custos para governos e operadores. Nessa perspetiva, o possível aproveitamento do excesso de produção de eletricidade de origem renovável através de um vetor de armazenamento é do maior interesse.

Uma das possibilidades, poderá ser a produção de metanol. O excesso de eletricidade produzida pode ser aproveitado para produzir metanol que pode ser utilizado para fins energéticos, como combustível em veículos terrestres ou marítimos, ou mesmo, eventualmente, em centrais de produção de energia. Deste modo poderão ser diminuídas, de forma assinalável, emissões de CO2 e outros poluentes e mesmo aproveitados resíduos biomássicos contribuindo para uma economia circular. Saliente-se ainda que o custo da eletricidade é um dos principais fatores a considerar na produção de metanol.

O metanol “renovável” que pode ser produzido sustentavelmente usando esta forma de energia excedentária, tem vantagens sobre os combustíveis tradicionais, reduzindo as emissões de CO2 comparativamente aos combustíveis tradicionais em até mais de 90%, reduzindo os NOx em cerca de 80% e eliminando ainda completamente as emissões de SOx e de partículas, reduzindo também outros COVs (compostos orgânicos voláteis), contribuindo assim para o combate às alterações climáticas e para a melhoria da qualidade do ar.

Existem várias vias para a obtenção do metanol renovável, como resumidamente se apresentam:

  1. a) eletricidade obtida por via renovável é usada para produzir hidrogénio através da hidrólise da água, e o hidrogénio obtido é feito reagir com dióxido de carbono da atmosfera ou de gases de exaustão industriais, obtendo-se gás de síntese e, posteriormente, com base neste, metanol;
  2. b) a matéria orgânica proveniente de vários tipos de biomassa sofre fermentação ou gaseificação (alta temperatura na ausência de ar) para produzir gás de síntese (mistura de hidrogénio, monóxido de carbono e dióxido de carbono) sendo este posteriormente feito reagir para se obter metanol; em todo este processo pode ser usada eletricidade de origem renovável.

Paralelamente, esta produção e utilização do metanol “renovável” pode contribuir para a economia circular e a criação de valor com base em matérias residuais como, por exemplo, os resíduos sólidos urbanos (~2,5 milhões ton/ano) e os resíduos florestais (2-3 milhões ton/ano), como alternativa ao uso de aterro e incineração e pode mesmo utilizar CO2 capturado, ou seja, usando matérias locais que podem contribuir para a segurança de abastecimento dos países e as suas balanças comerciais.

Quem estiver interessado pode pesquisar na internet vários casos de sucesso relacionados (por exemplo, Enerkem, Sodra, Carbon Recycling International/Vulcanol, Silicon Fire/UHDE).

Para além disso, a utilização do metanol (distribuição, abastecimento, consumo) pode ser feita com recurso a tecnologias existentes e sem necessidade de grandes alterações às infraestruturas de abastecimento existentes para os combustíveis líquidos tradicionais. Acresce ainda que um combustível contendo hidrocarbonetos fósseis e metanol pode ser usado em veículos com motor de combustão normal, apenas com alterações de software.

O metanol é uma mercadoria química que já é atualmente armazenada, transportada e manuseada com segurança, sendo líquida à pressão e temperatura ambientes. A nível de utilização, motores de combustão, pilhas de combustível (metanol como portador de hidrogénio) e outros equipamentos podem ser facilmente adaptados ao metanol, sendo que há já vários países que utilizam este combustível nos transportes. Saliente-se ainda que de acordo com dados do Methanol Institute, são necessários 8800 kg CO2 eq. para produzir uma carro elétrico e apenas 5600 kg CO2 eq. para produzir um carro com motor de combustão a metanol, que são também mais baratos.

Sabendo ainda que o setor dos transportes, na Europa, contribui com cerca de ¼ das emissões de gases de efeito de estufa e que grande parte destas são devidas ao transporte rodoviário, a adoção de veículos a metanol renovável poderá baixar acentuadamente estas emissões. Este conceito tem sido ensaiado com sucesso na China deste 2005 (Geely/Methanol Vehicle Pilot Program), havendo também experiência nos EUA.

Noutro domínio podem ser descritas experiências relacionadas com a substituição de fuel por metanol em centrais de produção de eletricidade, citando-se, por exemplo uma central de 50 MW em Israel que baixou os custos de exploração e as emissões de poluentes. Trata-se de uma possível solução especialmente aplicável, por exemplo, em territórios insulares, eventualmente como apoio a sistemas de produção existentes. O metanol pode assim proporcionar estabilidade à rede, sendo produzido através do excesso de eletricidade produzida em alturas de pico, para depois ser convertido em eletricidade despachável, quando necessário.

Não é só o transporte rodoviário que tem potencial para utilização do metanol. O mesmo se passa com o transporte marítimo e fluvial. Também neste domínio, Portugal, um país atlântico, poderá ter um contributo importante na produção e abastecimento marítimo.

Parece ser opinião generalizada que o futuro energético terá que passar por um mix de soluções. Deste modo, a utilização do metanol poderá ser um dos componentes desse mix a considerar, nomeadamente face às boas condições do nosso país para a produção de metanol com base em energia renovável.

Além disso, o armazenamento de energia na via hidrogénio-metanol, poderá contribuir para um decréscimo da pressão da procura de algumas matérias-primas necessárias a outros tipos de armazenamento, nomeadamente em baterias, podendo assim também contribuir para a diminuição dos custos destas formas de armazenamento e uma maior sustentabilidade e independência de matérias-primas críticas.

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