Jaba Recordati: Centralidade do doente e inovação sustentável

Num contexto de envelhecimento da população e pressão orçamental, a Jaba Recordati adapta-se às necessidades reais dos portugueses, combinando inovação terapêutica, digitalização e sustentabilidade.

Executive Digest
Outubro 9, 2025
10:08

Num contexto de envelhecimento da população e pressão orçamental, a Jaba Recordati adapta-se às necessidades reais dos portugueses, combinando inovação terapêutica, digitalização e sustentabilidade.

Para a Jaba Recordati, colocar o doente no centro não é apenas uma filosofia, mas uma estratégia que orienta toda a actividade da empresa em Portugal. Desde o desenvolvimento de medicamentos que respondem a necessidades clínicas concretas até à integração de inteligência artificial e digitalização nos processos internos, a empresa procura alinhar inovação, eficiência e responsabilidade social e ambiental. Ao mesmo tempo, enfrenta os desafios estruturais do sector, como a instabilidade política, atrasos nos pagamentos e preços baixos, que condicionam a capacidade de investimento e o acesso a terapêuticas inovadoras. Em entrevista à Executive Digest, Nelson Pires, director-geral da Jaba Recordati em Portugal, explica como a empresa encara estes desafios e define a sua estratégia para o futuro.

Como tem evoluído a estratégia da Jaba Recordati em Portugal num contexto cada vez mais centrado no doente?

Nos últimos anos, a saúde deixou de estar centrada no sistema ou no medicamento para passar a colocar a pessoa – o doente – no centro das decisões. Esta mudança obriga a indústria farmacêutica a adaptar-se, e a estratégia da Jaba Recordati acompanha essa transformação. Temos apostado em medicamentos que respondem às necessidades clínicas reais dos portugueses, sobretudo em áreas como as doenças cardiovasculares, o sistema nervoso central, as doenças raras e o envelhecimento.

Mas vamos além do tratamento. Envolve também fornecer informação, apoiar o diagnóstico, colaborar com os profissionais de saúde e garantir que os medicamentos chegam quando e onde são necessários. Tudo isto assente no nosso propósito de unlocking full potential of life.

Como tem a empresa ajustado os seus modelos de gestão para responder aos desafios do sector?

O sector da saúde muda rapidamente, tanto pela evolução científica como pelas exigências económicas e sociais. Por isso, é essencial termos uma gestão ágil, capaz de se adaptar. Na Jaba Recordati, seguimos uma abordagem que designamos de “pessologia” – uma gestão centrada nas pessoas: colaboradores, doentes, parceiros e cidadãos.

Associamos esta filosofia à digitalização dos processos internos e à utilização de inteligência artificial para apoiar previsões, análises de mercado e decisões estratégicas. Não se trata de substituir pessoas por máquinas, mas de libertá-las de tarefas repetitivas para que se concentrem no que só os seres humanos sabem fazer bem: pensar, liderar e cuidar.

Quais são os principais entraves à inovação na gestão em saúde em Portugal?

Portugal continua a enfrentar dificuldades estruturais na área da saúde. Entre os principais obstáculos estão a instabilidade política, já que as mudanças frequentes nas políticas públicas geram incerteza para quem investe; a demora na avaliação de medicamentos, com processos longos e imprevisíveis para a sua introdução no mercado; e os pagamentos em atraso por parte dos hospitais, que deixam muitas empresas a aguardar mais de um ano sem qualquer compensação.

Outro factor crítico são os preços muito baixos praticados no País, entre os mais reduzidos da Europa, o que compromete a sustentabilidade das empresas e até a disponibilidade de produtos no mercado. Todos estes elementos acabam por dificultar o acesso dos doentes a terapêuticas inovadoras e desincentivar o investimento da indústria em Portugal.

Como é que a digitalização e os dados influenciam as decisões estratégicas na área do medicamento?

A digitalização permite recolher, tratar e analisar grandes volumes de informação – desde a utilização de medicamentos nos hospitais até ao impacto económico das terapias. Isso ajuda-nos a compreender melhor as necessidades dos doentes e a definir estratégias mais eficazes.

Um exemplo é o trabalho que estamos a desenvolver em modelos de pagamento baseados no resultado clínico (pay per performance), em que o Estado só paga se o medicamento cumprir o efeito esperado. Para isso, é essencial acompanhar os dados clínicos dos doentes, sempre com total respeito pela privacidade.

A inteligência artificial tem também um papel relevante, ajudando-nos a prever ruturas de stock, calcular o impacto económico de decisões regulatórias e até a desenhar estudos clínicos de forma mais eficiente.

Infelizmente, em Portugal, este processo ainda não está optimizado. A integração de dados entre os diferentes players do sector não existe. O resultado é a duplicação de custos, de tempo e até de exames clínicos – por exemplo, quando o utente faz análises no sector privado e tem de repeti-las no público. Isto traduz-se em piores decisões clínicas, sendo o Estado e os doentes quem acaba por pagar a factura.

Como é que a Recordati integra a sustentabilidade ambiental, económica e social nas suas práticas?

A sustentabilidade é uma preocupação transversal na nossa actividade.

No plano ambiental, 84% da energia utilizada nas unidades industriais da Recordati já provém de fontes renováveis. Instalámos painéis solares, promovemos práticas de mobilidade sustentável e reduzimos consumos desnecessários, como o uso de papel. Actualmente, 70% da nossa frota automóvel é híbrida ou totalmente eléctrica. São contributos importantes para assegurar uma pegada ambiental reduzida.

No plano económico, trabalhamos para garantir o acesso a medicamentos de forma sustentável. Defendemos acordos com o Estado que assegurem um equilíbrio entre a inovação e a viabilidade orçamental, em vez de preços artificiais e insustentáveis.

Por fim, no plano social, investimos no bem-estar dos colaboradores e das suas famílias, promovendo ambientes de trabalho inclusivos e dinamizando iniciativas de responsabilidade social junto das comunidades. Um exemplo é o programa “Recordati Quer”, que anualmente chega a mais de mil pessoas.

Como estão a preparar-se para o envelhecimento da população e o aumento das doenças crónicas?

O envelhecimento da população traz consigo desafios clínicos e económicos. Doenças como hipertensão, insuficiência cardíaca, demência ou diabetes tornam-se cada vez mais prevalentes. A Jaba Recordati responde com inovação terapêutica e com programas de apoio que promovem o uso adequado dos medicamentos.

Paralelamente, investimos em ensaios clínicos, que são fundamentais para testar a segurança e eficácia de novos tratamentos. Entre 2019 e 2022, Portugal perdeu 210 ensaios clínicos, o que significou menos 33 milhões de euros de investimento directo. Parte desta quebra resultou de atrasos nos processos de aprovação e da falta de capacidade dos hospitais. Felizmente, com a criação da agência AICIB, da qual a Apifarma faz parte, este cenário começou a inverter-se e já em 2025 se observa uma melhoria.

Os ensaios clínicos não representam apenas um retorno económico directo para o País; são também uma oportunidade para desenvolver competências científicas e clínicas e, sobretudo, para permitir que os doentes tenham acesso precoce – e gratuito – a medicamentos inovadores que muitas vezes salvam vidas.

A escassez de profissionais de saúde também afeta o sector farmacêutico?

Sim. A falta de médicos e farmacêuticos hospitalares afecta não apenas o SNS, mas também a nossa actividade – desde a realização de ensaios clínicos até à implementação de programas de acompanhamento terapêutico. Sentimos igualmente dificuldades no recrutamento de talento para áreas como investigação, regulação, marketing ou produção. A área mais crítica tem sido a dos MSL, que são bastante disputados na indústria farmacêutica.

Para responder a este desafio, oferecemos uma proposta assente no nosso propósito – unlocking the full potential of life – que se traduz em condições atractivas, flexibilidade, oportunidades de desenvolvimento de carreira e um ambiente de trabalho centrado na valorização das pessoas. Apostamos numa carreira baseada em princípios ESG, no equilíbrio entre vida pessoal e profissional e na integração da família como prioridade da organização.

Como se equilibra o investimento em inovação terapêutica com a sustentabilidade financeira?

Inovar exige tempo e recursos significativos. O desenvolvimento de um novo medicamento pode custar cerca de mil milhões de dólares – e esse valor continua a aumentar. Mas a inovação é essencial para melhorar a vida das pessoas. O equilíbrio passa por regras claras e justas, que avaliem os medicamentos pelo seu valor real: aquilo que permitem evitar em internamentos, perda de produtividade ou sofrimento. Modelos de pagamento baseados em resultados – não apenas clínicos, mas também de qualidade de vida e impacto laboral – podem ajudar a garantir esse equilíbrio.

Em Portugal, contudo, a realidade orçamental torna o desafio maior. A despesa total em saúde per capita representa apenas 77% da média europeia. Apesar de a despesa total em percentagem do PIB estar alinhada com a União Europeia, a despesa pública fica muito aquém: per capita não chega a 60% da média europeia e, em percentagem do PIB, está cerca de dois pontos percentuais abaixo. No orçamento global, a saúde em Portugal fica 2,1 pontos percentuais abaixo da média da União Europeia. Este cenário dificulta a capacidade de investimento no País.

Quais são os principais eixos de transformação que antecipa para a saúde nos próximos dez anos?

Antecipamos várias mudanças estruturais na saúde na próxima década. A integração da inteligência artificial terá um papel determinante, sobretudo nas fases mais precoces da investigação clínica, mas também na telemedicina e no diagnóstico.

Outro eixo fundamental será a medicina personalizada, baseada em dados genéticos, bem como a digitalização de todo o percurso do doente. Prevemos ainda uma produção de medicamentos mais próxima e sustentável, num movimento de reindustrialização, e um sector cada vez mais orientado para a transparência e para o impacto social e ambiental, seguindo princípios ESG.

Como pode o sector privado colaborar com o público para um sistema mais eficiente?

O sector privado já colabora de várias formas. Um exemplo é o Programa de Acesso Precoce a Medicamentos (PAP). Os medicamentos com AIM ou novas indicações só podem ser utilizados nos hospitais do SNS após conclusão positiva do respectivo processo de avaliação. Contudo, quando não existe alternativa terapêutica e o doente corre risco imediato de vida ou de complicações graves, os hospitais podem solicitar a utilização do medicamento antes da finalização da avaliação. O Decreto-Lei n.º 115/2017, de Setembro, estabelece que, desde a data de AIM e durante o prazo legal do procedimento de avaliação, a cedência dos medicamentos sob AUE seja feita através do PAP, totalmente financiada pela indústria farmacêutica, permitindo aos doentes acesso imediato à terapêutica.

A colaboração estende-se ainda ao suporte da tesouraria dos hospitais, que muitas vezes atrasam pagamentos por mais de 400 dias, e aos mais de 500 milhões de euros que a indústria farmacêutica devolve anualmente ao Estado através de taxas e outros pagamentos voluntários. Estes valores garantem a sustentabilidade do SNS e decorrem de acordos de longa duração com o Governo.

Em resumo, a colaboração é possível através de acordos estáveis, como o firmado entre a APIFARMA e o Governo em 2025, que limita o crescimento da despesa pública com medicamentos a 7% ao ano. Este tipo de acordo dá previsibilidade, promove a sustentabilidade do SNS e permite que a indústria continue a investir em Portugal.

O que gostaria de ver mudado na gestão da saúde em Portugal?

Acima de tudo, gostaria de ver mais estabilidade e visão de longo prazo. Já começamos a observar sinais positivos, como o acordo de quatro anos assinado com a APIFARMA. A saúde não pode depender de ciclos políticos curtos. É necessário um sistema com regras claras, que valorize a inovação, assegure pagamentos atempados e coloque o doente – e não apenas o orçamento – no centro das decisões.

Além disso, é essencial digitalizar a saúde e utilizar a informação como base para as decisões, e não apenas percepções.

Este artigo faz parte do Caderno Especial “O futuro e a gestão na saúde”, publicado na edição de Setembro (n.º 234) da Executive Digest.

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