“Invasão russa”, “Guerra na Ucrânia”: quando se tratam de conflitos o nome que lhes damos é importante

O conflito na Europa é uma “operação militar especial” na Ucrânia ou uma “invasão russa”? E no Médio Oriente, falamos de um “conflito israelo-palestiniano”, de “guerra em Gaza” ou de “guerra Israel-Hamas”?

Francisco Laranjeira
Setembro 14, 2025
9:00

O conflito na Europa é uma “operação militar especial” na Ucrânia ou uma “invasão russa”? E no Médio Oriente, falamos de um “conflito israelo-palestiniano”, de “guerra em Gaza” ou de “guerra Israel-Hamas”?

De acordo com os académicos da segurança internacional, a forma como as pessoas se referem a uma guerra é importante: de acordo com Jeff Bachman, professor associado do Departamento de Paz, Direitos Humanos e Relações Culturais da Escola de Serviço Internacional da Universidade Americana, e Ester Brito Ruiz, instrutora adjunta da Escola de Serviço Internacional da Universidade Americana, em Washington DC (EUA), num artigo no site ‘The Conversation’, o nome pode, por exemplo, sinalizar a perspetiva do falante sobre quem é responsável pelos combates e, portanto, o culpado pela morte e destruição que se seguem.

Para o estudo, foi comparada a forma como os académicos discutiram a invasão do Iraque pelos EUA em 2003 com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022: os resultados utilizaram uma linguagem diametralmente oposta nos dois conflitos – a maioria descreveu o conflito entre Iraque e EUA como “a guerra no Iraque” (apenas um participante) ao passo que o conflito atual na Europa são variações da “Guerra Rússia-Ucrânia” (com os dois participantes). A conclusão dos especialistas americanos é que a guerra é referida em território americano duma forma que tende a servir os interesses e o poder do Estado em vez de refletir a realidade dos conflitos.

Existem diversas formas diferentes de nomear as guerras, mas podem ser agrupadas de acordo com o local, os participantes ou o tempo. Na primeira categoria, há exemplos como “Guerra do Vietname” ou “Guerra das Falklands” – claro, o nome de uma guerra varia de lugar para lugar, sendo que a Guerra do Vietname é a “Guerra Americana” para os vietnamitas e os argentinos falam de “Guerra das Malvinas”.

Na segunda categoria estão conflitos como a “Guerra Hispano-Americana”, a “Guerra Franco-Prussiana” e a “Guerra Sino-Japonesa”, de 1894/95: também aqui há variações, conhecidas em França e China como “Guerra de 1870” e “Guerra de Jiawu”, respetivamente.

As guerras recebem também nomes de outras convenções. Podem receber nomes de fatores significativos que as destacam: exemplos incluem feriados em que o conflito ocorreu, no caso da “Guerra de Yom Kippur”, ou a sua duração, como a “Guerra dos 30 anos”. À primeira vista, nomear as guerras com base na sua localização, participantes, data de início ou duração pode parecer um exercício de distanciamento objetivo. Mas examinar por que razão uma convenção de nomenclatura é utilizada em detrimento de outra pode revelar uma perspetiva ou um enviesamento específico.

O historiador Danny Keenan demonstrou como são tomadas decisões ao nomear guerras que podem implicar culpa entre os atores envolvidos: em particular, o que veio a ser conhecida como “Guerras na Nova Zelândia”, que já foi chamada de “Guerras Maori”. “Era geralmente reconhecido que os maoris não deveriam assumir tal responsabilidade” implícita no nome anterior, escreveu Keenan.

A mudança de nome das Guerras da Nova Zelândia/Maori chega a um ponto mais abrangente: dar o nome de um participante aos conflitos pode ser problemático, especialmente quando existe um desequilíbrio de poder. Tomemos como exemplo a nomeação britânica das suas guerras coloniais em homenagem às populações que estavam a subjugar, como as “Guerras Xhosa” ou a “Guerra Mahdista”: nomear uma guerra interestatal com base no estado em que esta é travada – ao mesmo tempo que se omite o nome dos instigadores externos – implica a culpabilidade desse estado. Também os atores mais poderosos, como as potências coloniais, conseguiram historicamente que os nomes se firmassem, obscurecendo o seu papel na violência.

Segundo os especialistas, é evidente que a ordem como os participantes são listados importa. Por exemplo, a “Guerra Filipino-Americana”, entre 1899 e 1902, pode dar a entender que os EUA se envolveram no conflito em resposta às ações do antagonista, mesmo que tenham sido os Estados Unidos que procuravam negar a independência das Filipinas.

Os resultados da investigação sobre as invasões do Iraque e da Ucrânia pelos EUA e pela Rússia, respetivamente, demonstram como as diferentes convenções de nomenclatura são utilizadas politicamente. Assim, a “Guerra no Iraque” sugere culpa total do país do Médio Oriente pela guerra travada no seu território, mesmo que Bagdad não tenha atacado os EUA ou os seus aliados – omite por completo os EUA, apesar de ser a força invasora.

Já a invasão ucraniana é mencionada por académicos e meios de comunicação, enfatizando a Rússia ou Vladimir Putin como um antagonista agressivo. Exemplo: “guerra assassina da Rússia contra a Ucrânia”, “guerra de Vladimir Putin contra a Ucrânia” ou a “guerra da Rússia contra a Ucrânia”. Mas também há “guerra Rússia-Ucrânia” e “guerra na Ucrânia”. Embora “Guerra na Ucrânia” utilize a convenção de nomenclatura de locais, os restantes títulos e títulos de tópicos utilizam a convenção de participantes, começando pela Rússia como antagonista.

A nomenclatura do atual conflito no Médio Oriente apresenta os seus próprios problemas. Conhecida como “guerra Israel-Hamas”, coloca em primeiro lugar Israel, o que pode identificá-lo como agressor. No entanto, o uso de “Hamas” em vez de “Gaza” é notável. O Hamas é reconhecido pelos EUA e pela maior parte do mundo ocidental como uma organização terrorista. Assim, colocar Israel em primeiro lugar pode, na verdade, ser entendido como uma legitimação da violência israelita. Além disso, não há qualquer menção à Palestina, aos palestinianos, a Gaza ou aos residentes de Gaza.

A forma como os media, os académicos e os políticos se referem a guerras específicas diz muito sobre a forma como gostariam que fossem percebidas. Não é coincidência, as guerras e a violência perpetradas pelos EUA e pelos seus aliados sejam tipicamente nomeadas de formas que contribuem para uma narrativa benéfica, enquanto o oposto se verifica quando estão envolvidos aqueles que são considerados inimigos dos EUA.

A repetição destes nomes para guerra e violência pode reforçar narrativas que servem os interesses do Estado – faz sentido, por isso, que as autoridades estatais propaguem nomes que potencialmente desinformam. Quando os meios de comunicação social e os especialistas fazem o mesmo, no entanto, isso prejudica a capacidade da sociedade de contestar substancialmente as conceções dominantes em tempo de guerra.

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