Gato doméstico ajuda cientistas a descobrir novo vírus… pela segunda vez

Esta não é a primeira vez que Pepper participa involuntariamente numa descoberta científica. Em 2024, o mesmo gato já havia oferecido a Lednicky um rato, que após análise revelou conter um jeilongvirus nunca antes detetado nos Estados Unidos.

Pedro Gonçalves
Julho 27, 2025
11:00

Um gato doméstico do estado norte-americano da Florida tornou-se protagonista de uma descoberta científica inusitada: pela segunda vez consecutiva, contribuiu para a identificação de um vírus até então desconhecido. O felino, chamado Pepper, pertence ao virologista John Lednicky, da Universidade da Florida, e tem o peculiar hábito de oferecer animais mortos ao seu dono – um comportamento típico em gatos e que, inesperadamente, está agora a servir a ciência.

“Aproveitámos a oportunidade”, explicou Lednicky, citado pelo ScienceAlert. “Se nos deparamos com um animal morto, porque não testá-lo em vez de o enterrar? Pode-se obter muita informação útil.” Foi assim que uma toupeira-de-cauda-curta dos Everglades (Blarina peninsulae), deixada por Pepper à porta de casa, acabou por ser analisada em laboratório, revelando a existência de um novo orthoreovírus, uma família de vírus ainda pouco compreendida.

Segundo a virologista Emily DeRuyter, coautora do estudo, “os orthoreovírus de mamíferos eram, inicialmente, considerados vírus ‘órfãos’, isto é, presentes em humanos e outros mamíferos, mas sem associação a doenças.” No entanto, observações mais recentes indicam que podem estar ligados a infeções respiratórias, gastrointestinais e até ao sistema nervoso central, incluindo meningites em crianças. Ainda assim, DeRuyter sublinha que “não se sabe o suficiente sobre este vírus recém-identificado para haver preocupação”.

O genoma do novo vírus foi agora publicado na revista científica Microbiology Resource Announcements, com o objetivo de iniciar um processo de monitorização e compreensão mais aprofundada da sua biologia e possíveis riscos para a saúde pública.

Um gato já com currículo científico
Esta não é a primeira vez que Pepper participa involuntariamente numa descoberta científica. Em 2024, o mesmo gato já havia oferecido a Lednicky um rato, que após análise revelou conter um jeilongvirus nunca antes detetado nos Estados Unidos. A estirpe, batizada Gainesville rodent jeilongvirus 1, revelou-se particularmente relevante por conseguir infetar células de primatas, além de células de outros mamíferos.

Segundo os autores do estudo publicado no ano passado, essa capacidade de infetar uma grande variedade de espécies sugere que o vírus tem uma “natureza generalista”, o que levanta preocupações quanto ao risco de spillover — ou seja, de transmissão viral entre diferentes espécies, incluindo seres humanos.

“A deteção precoce de vírus endémicos que circulam entre hospedeiros no norte da Florida pode melhorar significativamente os esforços de vigilância, reforçando a nossa capacidade de responder de forma eficaz a potenciais surtos”, refere o estudo de 2024.

Gatos, vírus e riscos ambientais
Embora os feitos de Pepper sejam notáveis, os investigadores alertam que a circulação livre de gatos no exterior levanta preocupações sanitárias e ecológicas. Um único gato com acesso ao exterior pode matar dezenas de pequenos animais por ano, aumentando as probabilidades de transmissão de agentes patogénicos entre espécies.

Nos últimos tempos, surgiram mesmo alertas quanto à possibilidade de gatos infetarem humanos com gripe das aves (H5N1), depois de terem consumido aves contaminadas. Esta preocupação reforça a importância de uma vigilância ativa sobre a interação entre animais domésticos e a fauna selvagem.

Para já, Pepper permanece alheio à sua contribuição para o avanço científico. Mas para os investigadores, cada “presente” deixado à porta pode ser o início de uma nova descoberta — e, potencialmente, uma arma valiosa para antecipar futuras ameaças à saúde pública.

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