Funeral de Nuno Portas realiza-se hoje em Vila Viçosa

Nuno Portas faleceu no domingo, aos 90 anos, em Lisboa. Natural de São Bartolomeu, no concelho de Vila Viçosa, foi uma das vozes mais influentes na reflexão sobre o espaço urbano e o direito à habitação em Portugal.

Pedro Gonçalves
Julho 29, 2025
8:00

O arquiteto e pensador Nuno Portas, figura ímpar da cultura e do urbanismo em Portugal, será esta terça-feira sepultado no cemitério de Vila Viçosa, sua terra natal. O funeral tem início marcado para as 12h00, com cerimónias fúnebres que decorrerão após o velório realizado ontem, segunda-feira, entre as 18h30 e as 22h00, no auditório do complexo paroquial da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa.

Nuno Portas faleceu no domingo, aos 90 anos, em Lisboa. Natural de São Bartolomeu, no concelho de Vila Viçosa, foi uma das vozes mais influentes na reflexão sobre o espaço urbano e o direito à habitação em Portugal. Licenciado em Arquitetura pela Universidade do Porto, destacou-se também internacionalmente, em especial em Espanha e no Brasil, tanto como investigador como consultor em planeamento urbano.

Figura de referência incontornável do pensamento urbanístico português, Portas defendeu durante toda a sua vida o “direito à cidade” como expressão máxima da dignidade cidadã. Após o 25 de Abril de 1974, assumiu funções como secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, tendo criado o Serviço de Apoio Ambulatório Local, com o objetivo de dar resposta às carências habitacionais acumuladas durante o Estado Novo.

A sua formação académica iniciou-se nas Escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto, tendo concluído o curso em 1959. Dois anos antes, porém, já colaborava com Nuno Teotónio Pereira, com quem viria a trabalhar durante quase duas décadas. Um dos projetos mais emblemáticos dessa parceria foi a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, consagrada em 1970 e distinguida com o Prémio Valmor. “Era uma pessoa com uma enorme cultura e empenho em ser verdadeiro”, recordou Portas numa entrevista à RTP em 2005, referindo-se a Teotónio Pereira.

A sua carreira foi multifacetada: além da prática profissional, destacou-se como professor, teórico, crítico de arte e de cinema. Em 1963, foi distinguido com o Prémio Gulbenkian de Crítica de Arte e tornou-se diretor da revista Arquitectura, onde publicou textos que influenciaram gerações. Foi dos primeiros a escrever sobre Álvaro Siza Vieira, não só em Portugal como em publicações de Itália e Espanha.

Entre 1962 e 1974 coordenou o Núcleo de Arquitetura, Habitação e Urbanismo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), onde promoveu uma abordagem interdisciplinar pioneira, cruzando o urbanismo com as ciências sociais. Os seus pares reconhecem-lhe um papel fundamental na construção de um pensamento crítico sobre o espaço urbano português.

A atividade docente teve início em 1965, na Escola de Belas Artes de Lisboa, tendo mais tarde integrado o corpo docente da Escola de Belas Artes do Porto. Em 1989 tornou-se professor catedrático na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, que ajudou a fundar. Estruturou o primeiro mestrado em Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano, e a sua influência na academia prolongou-se muito para lá da jubilação.

Portas lecionou também em instituições de renome fora do país, como a Escola Técnica de Arquitetura de Barcelona, o Instituto de Urbanismo de Paris, a Universidade de Ferrara, o Politécnico de Milão ou a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre 1980 e 1983, viveu em Madrid, onde coordenou o planeamento intermunicipal da cidade, e viria a colaborar ainda nos planos estratégicos de Barcelona e Santiago de Compostela.

Trabalhou com entidades como a União Europeia, a ONU e o arquiteto catalão Oriol Bohigas em projetos urbanísticos para o Rio de Janeiro. Em Cabo Verde, teve papel relevante na elaboração do enquadramento legal do urbanismo.

Autor de uma obra escrita vasta e acutilante, Nuno Portas deixou textos fundamentais sobre urbanismo, arquitetura e também sobre cinema, outra das suas grandes paixões. Foi membro ativo do Cineclube de Lisboa e chegou a realizar, nos anos 1950, uma curta-metragem crítica sobre o serviço militar, com montagem de Fernando Lopes.

“Hoje a arquitetura tem a obsessão das invenções e despreza a memória. Mas não há linguagem sem memória”, afirmou numa entrevista, onde também defendeu que “o património deveria ser respeitado mas acrescentado, como os antigos sempre fizeram”.

Em Portugal, trabalhou com alguns dos mais reconhecidos arquitetos da sua geração, como Pedro Botelho, José Luís Gomes, Camilo Cortesão e Bartolomeu Cabral. Coordenou vários planos urbanísticos estruturantes, como o plano do campus da Universidade de Aveiro, o primeiro plano geral da Expo 98 e os estudos de requalificação urbana de Chelas e do centro histórico de Guimarães.

Entre as várias distinções que recebeu ao longo da vida, contam-se o doutoramento honoris causa pela Universidade de Aveiro e pelo Instituto Politécnico de Milão, a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e o Prémio Sir Patrick Abercrombie, atribuído pela União Internacional de Arquitetos, em 2005.

Nuno Portas foi pai dos políticos Paulo Portas e Miguel Portas, fruto do primeiro casamento com Helena Sacadura Cabral, e da jornalista e empresária Catarina Portas, do segundo casamento com Margarida Sousa Lobo.

Num dos seus últimos textos, publicado n’O Jornal do Arquitecto em 2017, escreveu: “Muita coisa terá de mudar se quisermos legitimar a nossa reivindicação de que o arquiteto, enquanto agente cultural, é imprescindível ao desenvolvimento social das comunidades.” Uma reflexão que resume bem a sua vida dedicada à arquitetura, à cidade e às pessoas.

O país despede-se esta terça-feira de um dos seus mais influentes pensadores e urbanistas, num último adeus que começa ao meio-dia e termina no cemitério de Vila Viçosa, onde ficará sepultado o corpo de Nuno Portas — arquiteto, professor, ensaísta, cinéfilo e, como gostava de dizer, “arruador”.

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