A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) anulou, no último ano, benefícios fiscais no valor total de 2,1 milhões de euros a mais de sete mil contribuintes que tinham dívidas ao Estado. Segundo dados revelados no relatório anual de combate à fraude e evasão fiscal, entregue recentemente na Assembleia da República, a medida abrangeu sobretudo famílias, mas o crescimento mais acentuado foi registado no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), incidindo sobre as empresas.
De acordo com o relatório citado pelo Jornal de Notícias, em 2024 foram canceladas 7308 isenções fiscais em sede de IRS e IRC, por incumprimento da regra legal que impede o acesso a benefícios fiscais quando há dívidas ao Estado. Em concreto, 5957 contribuintes perderam vantagens no IRS, num total de quase um milhão de euros, o que representa uma descida de 13% no número de beneficiários afetados, face ao ano anterior. Contudo, os números continuam entre os mais elevados desde 2017, ano em que entrou em vigor o atual regime legal.
O impacto tem-se vindo a intensificar sobretudo entre as empresas. Em 2024, foram identificadas 1351 declarações de IRC (modelo 22) que tiveram de ser corrigidas por incumprimento das obrigações fiscais, um número recorde que representa um aumento de 26% em relação a 2023. Ainda assim, o montante anulado nestes casos desceu 39%, caindo de 1,9 milhões de euros para 1,1 milhões. Segundo o relatório, cerca de 90% das liquidações de IRS revistas em 2024 dizem respeito a declarações entregues em 2023, sendo os restantes 10% referentes a anos anteriores.
Grande parte das empresas afetadas localiza-se no Interior do país ou está licenciada para operar na Zona Franca da Madeira. Só nestas regiões, 217 empresas perderam benefícios no valor de 579 mil euros relacionados com o rendimento, enquanto outras 27 viram ser anuladas isenções ligadas à coleta, num total de 170 mil euros. A maioria dos casos está inserida na categoria de “outras situações”, onde se incluem sociedades que, embora beneficiárias de taxas reduzidas ao abrigo do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não cumpriram os requisitos por estarem em dívida com o Estado.
A base legal que sustenta estas anulações remonta a 2006, ano em que o então ministro das Finanças do primeiro Governo de José Sócrates, Luís Campos e Cunha, implementou a norma que condiciona o acesso a benefícios fiscais à inexistência de dívidas fiscais. Na altura, o governante justificou a medida como uma “atitude pedagógica de incentivo ao cumprimento voluntário das obrigações fiscais”. Até 2016, a mera existência de dívidas a 31 de dezembro determinava a perda automática de benefícios no ano seguinte.
Em 2017, o então ministro das Finanças, Mário Centeno, aliviou o regime, permitindo uma margem adicional de regularização de 12 meses. Com esta alteração, a perda de benefícios só se concretiza se a dívida se mantiver no final do ano seguinte, o que contribuiu para a redução acentuada dos cancelamentos nos anos seguintes. No entanto, os números agora revelados demonstram que, apesar da maior flexibilidade, o incumprimento fiscal continua a ter consequências significativas, tanto para contribuintes individuais como para empresas.














