Falta de recursos, ausência de planos, pedidos de escusa: Médicos antecipam “catástrofe” nas urgências este verão

Este ano, a situação parece ainda mais complicada com as escusas dos médicos à realização de horas extraordinárias, que já começaram a ser entregues.

Pedro Gonçalves
Maio 21, 2024
19:26

A falta de recursos, a ausência de planeamento e o regresso das escusas a horas extra colocam os médicos em alerta para o período “sensível” que se aproxima – o verão. Este é tradicionalmente um período complicado para preencher as escalas das urgências hospitalares devido à falta de médicos disponíveis. Médicos e sindicatos criticam a falta de um plano eficaz para assegurar o funcionamento dos serviços de saúde no que é, a par do Natal e do fim de ano, o período mais crítico para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), e antecipam uma “tempestade perfeita” que pode mesmo concretizar-se numa “catástrofe”.

Este ano, a situação parece ainda mais complicada com as escusas dos médicos à realização de horas extraordinárias, que já começaram a ser entregues. Esta medida ameaça desfalcar ainda mais os serviços e criar uma “tempestade perfeita” no SNS, colocando em risco até o funcionamento das urgências gerais, especialmente em hospitais periféricos.

“O verão vai ser marcado por muitas dificuldades”, admite Nuno Rodrigues, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, ao Observador, que destaca que já é difícil assegurar as escalas de algumas urgências, “nomeadamente em áreas críticas como a Ginecologia-Obstetrícia”. “Todos os dias é necessário recorrer a prestadores de serviços para os hospitais conseguirem as equipas mínimas, nomeadamente em Lisboa e Vale do Tejo. Já é problemático”, acrescenta.

Adelina Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Urgência e Emergência, antevê que os meses de verão sejam marcados por “problemas na resposta” devido à falta de médicos. “Vamos viver momentos complicados por causa da falta de médicos”, alerta ao mesmo jornal.

A líder da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), Joana Bordalo e Sá, também expressa preocupação com a capacidade dos serviços de urgência do SNS para responder à procura nos próximos meses. “Vai ser difícil”, afirma, destacando que já em maio existem muitos “buracos” por preencher na saúde materno-infantil e na Pediatria. “Faltam médicos o ano todo, com agravamento no verão e no inverno”, sublinha.

A falta de médicos nas urgências tem-se agravado de ano para ano, de acordo com os sindicatos. O SNS é incapaz de travar a “saída de médicos, nomeadamente médicos experientes”. Além disso, os médicos que permanecem têm um volume de trabalho cada vez maior e “menor disponibilidade para ficarem a trabalhar nas férias”, lembra Joana Bordalo e Sá.

Helena Terleira, porta-voz do movimento Médicos em Luta, confirma que as minutas de escusa ao trabalho extraordinário já começaram a ser entregues nos hospitais e que esta situação deve intensificar-se. “As minutas já começaram a chegar aos hospitais e vão acelerar”, diz Terleira ao Observador.

Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, revela que a Ordem tem conhecimento informal de que desde o final de março, abril e, sobretudo, em maio, cada vez mais médicos estão a colocar escusas. “Esta situação era previsível e teve um grande impacto no ano passado. É surpreendente nada ter sido feito, sabíamos que iria voltar a acontecer. E vamos ter um período muito sensível”, sublinha.

Embora o número de escusas entregues ainda seja “residual”, o impacto somado à fragilidade dos serviços nos meses de verão pode criar grandes dificuldades. “As minutas podem ter um impacto muito grande. Já sabemos que há uma carência crónica de profissionais nos serviços de urgência, e que os recursos não são suficientes para a procura”, destaca Adelina Pereira.

Helena Terleira, do movimento Médicos em Luta, fala numa “tempestade perfeita” a aproximar-se rapidamente, devido à falta de médicos, às escusas a mais horas extra e aos desafios adicionais do verão. “Vamos ter mais população deslocada e em férias, as corporações de bombeiros ocupadas com incêndios, mais acidentes de viação”, antecipa Terleira.

Para evitar uma “catástrofe”, especialmente nos hospitais periféricos, Helena Terleira apela à assinatura de um acordo entre os sindicatos médicos e o Ministério da Saúde. “A tutela ainda tem tempo de falar com os sindicatos e impedir a catástrofe, sobretudo nos hospitais periféricos. Se houver acordo dia 27, haverá um retrocesso da nossa luta”, garante.

A recente notícia sobre o aumento do valor/hora pago aos médicos tarefeiros em 40% provocou grande descontentamento na classe médica. “O aumento de 40% foi um ‘trigger’, muitos colegas estão a falar do assunto. É um sinal de mais do mesmo”, diz Terleira, criticando que o “novo governo está a seguir o mesmo caminho do anterior”.

Joana Bordalo e Sá também criticou a opção do governo, apontando para a perceção de desigualdade criada pela majoração dos tarefeiros. “Os médicos ficaram desagradados com o aumento do valor pago aos prestadores de serviços. Há uma perceção de desigualdade. Isto desestrutura as equipas, cria um sentimento de injustiça”, avisa.

Falta de planos

Os médicos criticam igualmente a falta de planeamento para o verão. “Soubemos há pouco tempo que nada tinha sido preparado. Todos os anos há dificuldades de resposta, mais acentuadas nalgumas regiões do país. É surpreendente não haver nenhum plano estratégico”, critica Carlos Cortes.

“A FNAM tinha uma proposta prática sem impacto orçamental. Se os médicos tirassem férias na época baixa, ganhariam mais cinco dias de férias. Se esta medida entrasse em vigor, muitos médicos pensariam duas vezes se queriam tirar férias em julho ou agosto”, sugere Joana Bordalo e Sá.

Nuno Rodrigues, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, destaca a importância de reforçar os centros de saúde. “Nos Cuidados de Saúde Primários, é possível a contratualização de carteiras adicionais nas USF (em horas extra) e que permitiriam dar mais resposta, com o mesmo valor pago ao setor privado e social”, propõe.

Com o verão a aproximar-se e as urgências em risco, a falta de planeamento e de recursos no SNS torna-se cada vez mais preocupante. Os médicos e sindicatos apelam a medidas estruturais e a uma abordagem mais proativa por parte do Ministério da Saúde para evitar uma crise nos próximos meses.

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