Explicador: Como os EUA e a China estão a disputar a ‘corrida’ pelo controlo dos recursos vitais de África

Em pleno século XXI, África tornou-se o centro de uma corrida frenética por recursos naturais vitais — como cobalto, lítio e terras raras — indispensáveis para a transição energética, a produção de veículos eléctricos e os sistemas de defesa avançados.

Pedro Gonçalves
Agosto 6, 2025
13:06

A nova disputa de poder mundial está a ser travada muito longe das capitais ocidentais e dos grandes centros tecnológicos asiáticos. Em pleno século XXI, África tornou-se o centro de uma corrida frenética por recursos naturais vitais — como cobalto, lítio e terras raras — indispensáveis para a transição energética, a produção de veículos elétricos e os sistemas de defesa avançados. A riqueza mineral do continente, que representa cerca de 30% das reservas globais conhecidas desses materiais, colocou os seus países no meio de uma crescente tensão entre as duas maiores potências mundiais: os Estados Unidos e a China.

Durante décadas, Pequim investiu de forma consistente em infraestruturas e laços comerciais com Estados africanos, assumindo-se hoje como o principal parceiro económico do continente. Os EUA, por outro lado, estão agora a tentar recuperar terreno, com uma estratégia que combina diplomacia, segurança e acesso a matérias-primas.

O resultado é um novo capítulo na história da geopolítica global, em que África já não é apenas um palco, mas um actor central. O que está em jogo não é apenas o controlo de minas, mas sim o futuro das cadeias de produção globais, da autonomia energética e da liderança tecnológica nas próximas décadas.

Por que é que África se tornou tão estratégica na geopolítica mundial?
O continente africano é hoje um dos principais campos de batalha na luta pelo domínio económico e tecnológico global. Com cerca de 30% das reservas mundiais conhecidas de minerais cruciais — como o cobalto, o lítio e os chamados elementos de terras raras — África tornou-se peça central na transição energética e digital. Estes recursos são indispensáveis para a produção de veículos elétricos, sistemas de energia renovável e equipamentos de defesa, colocando o continente no epicentro de uma disputa entre as duas maiores potências mundiais: os Estados Unidos e a China.

Como é que a China consolidou a sua posição em África?
A presença chinesa em África é o resultado de décadas de investimentos estratégicos. Desde 2003, Pequim tem vindo a aumentar a sua influência comercial, tornando-se o principal parceiro de quase todos os países africanos. Segundo a Visual Capitalist, em 2023, 52 dos 54 países africanos realizavam mais comércio com a China do que com os EUA. Em 2024, o volume comercial entre a China e África atingiu os 295 mil milhões de dólares (cerca de 271 mil milhões de euros), com um crescimento anual de 6%.

A aposta da China vai muito além da extração de matérias-primas. O seu verdadeiro poder reside no controlo do refino e processamento. Embora represente menos de 10% da produção mineira em África, Pequim domina entre 60% e 80% da capacidade global de refinação de minerais críticos, como cobalto, lítio e terras raras. Esta capacidade garante-lhe um controlo determinante sobre as cadeias de abastecimento globais.

“Estes recursos deixaram de ser apenas matérias-primas. São ativos estratégicos”, explicou Afshin Molavi, investigador do Foreign Policy Institute da Universidade Johns Hopkins, à Newsweek. “A integração vertical do modelo chinês confere-lhe uma vantagem estrutural face ao Ocidente.”

E os Estados Unidos? Estão a reagir a este avanço chinês?
De forma tímida e tardia. A presença norte-americana no sector mineiro africano é, segundo Eric Olander, editor do China-Global South Project, praticamente inexistente. “Não é correcto falar de uma competição directa. A China está lá. Os EUA não estão, pelo menos por agora, de forma significativa”, disse à Newsweek.

Olander admite que Washington reconhece a importância estratégica destes recursos e tem feito declarações nesse sentido. Mas sublinha que “há muita conversa e pouca acção”, apontando o receio do risco e a falta de incentivos económicos como obstáculos à entrada de empresas norte-americanas no sector.

Houve alguma mudança recente na estratégia dos EUA?
Sim. A administração de Donald Trump parece apostada em recuperar terreno. Em Junho de 2025, os EUA mediaram um acordo de paz entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, dois países com fortes reservas minerais, especialmente no leste do Congo. Segundo Trump, o pacto tem uma componente clara de acesso estratégico: “Estamos a garantir, para os Estados Unidos, muitos direitos minerais no Congo como parte do acordo.”

Além disso, no dia 9 de Julho, o presidente norte-americano recebeu na Casa Branca os líderes de cinco países africanos — Gabão, Guiné-Bissau, Libéria, Mauritânia e Senegal — para discutir o reforço das relações económicas e formas de conter a crescente influência chinesa no continente.

Como é que os líderes africanos estão a reagir a esta disputa?
Com pragmatismo e uma nova assertividade. O presidente do Gabão, Brice Oligui Nguema, foi claro: “Não somos países pobres. Somos países ricos em matérias-primas. Mas precisamos de parceiros que nos ajudem a desenvolver esses recursos com parcerias verdadeiramente vantajosas para ambos os lados.”

Esta afirmação reflecte um sentimento cada vez mais presente entre os líderes africanos: a necessidade de passar de meros fornecedores de matérias-primas a actores com poder de negociação, exigindo transparência, desenvolvimento industrial local e benefícios duradouros para as populações.

O que está em jogo para o futuro de África — e do mundo?
Mais do que uma rivalidade económica, trata-se de uma corrida pela liderança tecnológica e pela autonomia estratégica no século XXI. África, pela primeira vez em muito tempo, está numa posição de força. Mas o resultado desta disputa dependerá não só dos investimentos estrangeiros, mas também da capacidade dos líderes africanos de defenderem os interesses dos seus povos e de garantirem que os recursos naturais se traduzem em desenvolvimento sustentável e soberania económica.

Como sublinha Molavi, “o desafio está em garantir que esta riqueza mineral se transforma em progresso para as sociedades africanas”. O mundo observa, e África decide.

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