O acesso a exames do Serviço Nacional de Saúde (SNS) realizados em unidades privadas está a deteriorar-se de forma acelerada, com tempos de espera que, em alguns casos, ultrapassam os 11 meses. A diferença entre marcar um exame a título particular e fazê-lo através de uma prescrição do SNS chega a ser quase de um ano, revelando uma disparidade profunda que afeta sobretudo áreas como gastrenterologia, senologia ou cardiologia. Médicos de família alertam que esta demora tem impacto direto no prognóstico, sobretudo no diagnóstico de doenças oncológicas, onde cada mês perdido pode alterar decisivamente a capacidade de tratamento.
De acordo com uma investigação realizada pelo Observador, que contactou vários operadores convencionados para aferir disponibilidade e tempos de espera, a realização de mamografias, ecografias, endoscopias ou colonoscopias através do SNS está cada vez mais limitada. A situação mostra-se particularmente grave em Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e vários concelhos do interior, onde utentes chegam a aguardar quase um ano, contrastando com marcações imediatas — muitas vezes na semana seguinte — quando pagas a título particular. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS), que tem identificado casos de discriminação no acesso, já aplicou coimas que podem atingir 44.891 euros.
Os prestadores explicam que a quebra na capacidade de resposta resulta da ausência de atualização das tabelas de preços pagas pelo Estado, muitas delas congeladas há mais de uma década. Segundo António Neves, presidente da Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde, há exames em que os privados operam com prejuízo evidente: uma colonoscopia com sedação rende apenas cerca de 160 euros, valor incapaz de cobrir despesas com médicos, anestesistas, equipa de enfermagem, materiais e desinfeção. Já uma mamografia bilateral vale 20,50 euros e um eletrocardiograma 3,97 euros, montantes que tornam inviável manter equipas e equipamentos numa estrutura privada. Várias clínicas abandonaram convenções, outras reduziram drasticamente vagas e algumas encerraram mesmo portas.
A diminuição do número de prestadores convencionados tem impacto direto no volume de atos realizados. Depois de anos de estabilidade, o número de exames feitos através destas convenções caiu de mais de 21,7 milhões em 2022 para cerca de 17 milhões em 2023 e 2024, apesar de o número de exames prescritos continuar a aumentar e os hospitais públicos não conseguirem absorver essa procura. Médicos como Nuno Jacinto e Jorge Roque da Cunha descrevem consultas marcadas com meses de intervalo, doentes a percorrer dezenas de quilómetros para conseguir fazer um exame e diagnósticos adiados durante sete, oito ou nove meses — uma espera que, no caso de cancros do intestino ou estômago, pode comprometer completamente as hipóteses de cura.
Paralelamente, a ERS tem confirmado práticas ilegais de discriminação, nas quais prestadores reservam vagas rápidas para utentes com seguro de saúde ou pagamentos particulares, enquanto adiam ou reduzem as marcações para doentes do SNS. O regulador tem emitido instruções obrigatórias e aplicado coimas, alertando que o direito de acesso sem discriminação está protegido por lei. Enquanto isso, o Ministério da Saúde não respondeu às questões sobre a deterioração do acesso nem sobre a atualização das tabelas, apesar de o Governo de Luís Montenegro ter assumido como meta o reforço das convenções. Prestadores e médicos avisam: sem revisão urgente dos preços pagos pelo SNS, a rede convencionada continuará a perder capacidade — e os doentes continuarão a esperar meses por exames que deveriam ser realizados de forma rápida e atempada.














