Europa tem oportunidade de ouro de combater fraudes de 8,77 mil milhões de euros no mercado de carros usados

Especialista da carVertical indicou que a “UE deve definir e harmonizar a interação entre o Regulamento dos Dados, a Diretiva dos Dados Abertos e o RGPD”

Automonitor
Setembro 11, 2025
13:07

O mercado europeu de veículos usados foi avaliado em 635 mil milhões de euros em 2024. Apesar da sua dimensão, continua a ser alvo de fraudes: no mesmo ano, 4,9% dos veículos usados revelaram ter a quilometragem falsificada e 40% mostraram sinais de danos.

Há sete anos, o Parlamento Europeu estimava que a fraude do conta-quilómetros podia representar prejuízos anuais entre 1,31 e 8,77 mil milhões de euros. Estudos mais recentes apontam para perdas na ordem dos 5,3 mil milhões de euros por ano, sendo que muitos casos nunca chegam a ser detetados.

Além das perdas financeiras, a ocultação de danos nos veículos usados representa riscos reais de segurança para os consumidores.

Embora já existam soluções para combater a fraude, enfrentá-la eficazmente exigirá cooperação entre o setor privado e o setor público dentro da União Europeia (UE).

Burlões aproveitam lacunas no enquadramento europeu sobre privacidade

Em determinados Estados-Membros da UE, burlões que atuam no mercado de veículos usados beneficiam das regras europeias em matéria de privacidade.

O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) define “dados pessoais” de forma demasiado ampla e isso dificulta que empresas que trabalham com dados automóveis partilhem informações com os consumidores, mesmo quando o risco de privacidade é mínimo.

“A Europa pode encontrar um melhor equilíbrio entre a proteção dos dados pessoais dos seus cidadãos e a disponibilização de ferramentas efetivas para que nós, scale-ups europeias, possamos crescer e ser competitivas a nível internacional”, afirma Rokas Medonis, diretor-executivo da carVertical, uma scale-up lituana que disponibiliza relatórios históricos de veículos usados.

“O dinheiro não é a única solução – a UE também deve liberalizar o acesso e o uso dos dados, abordando especialmente a assimetria de informação que surge quando ativos, como os veículos, mudam de proprietário. Quando uma viatura troca de mãos, a informação sobre a mesma fica desatualizada, mas o interesse legítimo do consumidor por esses dados mantém-se. É essencial que a informação acompanhe o veículo e isso exige resolver problemas mais amplos, como a fragmentação dos dados. Deve garantir-se que os dados acompanham os ativos em todas as transações”, continuou Medonis.

O diretor-executivo da carVertical alertou para a dificuldade em combater a fraude no mercado de usados: “Os países nem sempre trocam dados sobre veículos, muitos registos de quilometragem ou de danos nunca chegam a ser digitalizados e não existe uma abordagem harmonizada ao rastreamento dos veículos na UE. Tudo isto abre espaço a práticas fraudulentas, prejudica consumidores e empresas sérias, e acaba por favorecer os burlões.”

Fragmentação do Mercado Único deixa países importadores mais vulneráveis

Países como Alemanha, Itália, Bélgica e Países Baixos são membros do EUCARIS (Sistema Europeu de Informação sobre Veículos e Cartas de Condução) e dispõem de sistemas internos e abrangentes de acompanhamento de veículos. No entanto, continuam a limitar a partilha de dados históricos sobre veículos exportados.

A Alemanha é a maior exportadora de veículos usados da UE, com quase 2 milhões de veículos por ano. No entanto, os registos oficiais subestimam estas exportações em seis vezes. O país fornece informações limitadas, citando preocupações com o RGPD. O Kraftfahrt-Bundesamt (KBA) opera sistemas sofisticados de registo de veículos que permitem acompanhar detalhadamente o historial, mas o acesso completo aos dados permanece restrito e não é aproveitado para proteger o interesse público.

Bélgica e Países Baixos seguem uma abordagem semelhante: apesar de possuírem sistemas internos sofisticados, como o Car-Pass, o Nationale Auto Pas ou o RDW, que reduziram drasticamente a fraude de quilometragem, limitam a partilha de dados sobre veículos exportados, deixando compradores de outros Estados-Membros mais vulneráveis.

Também a Itália se recusa a partilhar informações sobre danos em veículos usados com outros países da UE.

Esta abordagem de “prioridade doméstica”, adotada por alguns países europeus, limita a proteção dos consumidores ao nível da UE e compromete os objetivos do Mercado Único. Como muitos veículos são importados desses países, a falta de acesso a dados essenciais expõe compradores de outros Estados-Membros, especialmente no Leste Europeu, a riscos significativos.

Transparência e privacidade podem coexistir: o exemplo nórdico

A UE possui boas práticas de referência, em que transparência e privacidade coexistem.

Suécia e Finlândia conseguiram equilibrar a proteção de dados com a partilha de informação sobre veículos usados, protegendo não só consumidores locais, mas também compradores de outros países.

Na Agência de Transportes da Suécia e na Traficom da Finlândia, os consumidores podem aceder facilmente aos históricos dos veículos, nomeadamente quilometragem, registo de proprietários e dados de inspeções. Para garantir a transparência, é fundamental que esta informação acompanhe o número do veículo quando este atravessa a fronteira, algo que ambos os países nórdicos asseguram.

O Reino Unido também disponibiliza acesso aberto a dados de veículos, o que contribui para um sistema de avaliação automóvel bem estruturado, que ajuda os compradores a evitar fraudes. Embora o mercado britânico seja maioritariamente doméstico, o seu modelo de partilha de dados é um bom exemplo de como equilibrar privacidade e transparência.

Um apelo à clareza e à partilha de dados a nível da UE

Para proteger os cidadãos, a UE deve definir e harmonizar a interação entre o Regulamento dos Dados, a Diretiva dos Dados Abertos e o RGPD. Um enquadramento transparente e uniforme de acesso a dados de veículos em toda a UE ajudaria a reduzir fraudes, restaurar a confiança dos consumidores e apoiar os objetivos de uma economia digital justa.

“Regras mais claras e uma maior partilha de dados vão proteger os compradores, apoiar empresas honestas e fortalecer a economia digital europeia. A questão que se coloca é: será mais importante proteger dados que não revelam informações pessoais, mas que ajudam os consumidores a compreender a condição real dos veículos usados, ou proteger vendedores que tentam ocultar factos importantes?”, questionou Rokas Medonis.

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