Especialistas em segurança sísmica alertam proprietários para obras feitas em casa: “podem estar a construir o próprio caixão”

Cidades portuguesas têm uma complexa combinação de edifícios, pontes e infraestruturas construídos em diferentes décadas, com recurso a diferentes materiais de construção e técnicas, o que agrava a situação

Executive Digest
Agosto 27, 2024
10:03

“O que mata não são os sismos, é a construção.” Os especialistas são unânimes de que Portugal está numa zona sísmica e que um terramoto de maiores dimensões é inevitável. No entanto, há muito que pode ser feito, ainda que, avisam, em termos de segurança sísmica, os proprietários são mesmo os seus principais inimigos.

“Vão existir, no futuro, sismos de grande magnitude que vão causar muitos danos e bastantes vítimas e temos de nos preparar. Temos de ser conscientes de que esta é uma realidade à qual não escapamos. Nós vivemos numa zona sísmica”, referiu José Azevedo, especialista em engenharia sísmica, em declarações à ‘CNN Portugal’.

As cidades portuguesas têm uma complexa combinação de edifícios, pontes e infraestruturas construídos em diferentes décadas, com recurso a diferentes materiais de construção e técnicas, o que agrava a situação. São as zonas históricas das cidades onde a situação é mais complexa, com maior concentração de prédios antigos, edificados antes de haver qualquer lei para atividade sísmica.

Nestas zonas, muitas vezes são os próprios habitantes dos prédios antigos que acabam por ser responsáveis pela diminuição da segurança sísmica dos prédios onde vivem, ao eliminar paredes em estruturas antigas para poder expandir uma das divisões da casa: essas paredes, sustentou José Azevedo, são “essenciais à resistência da construção” – quem o faz “está a construir o seu próprio caixão”.

Para os especialistas, os proprietários e os consumidores devem ser mais exigentes, tanto com as autoridades como com quem constrói, e exigir maior proteção sísmica nas estruturas. Humberto Varum, especialista em engenharia sísmica, lembrou que os proprietários de habitações construídas antes da década de 90 devem ter uma postura mais proativa. “Temos empresas e gabinetes técnicos individuais muito preparados nestas matérias”, referiu.

“Do ponto de vista da construção, há um grande caminho a fazer. Há muita construção antiga. O que mata não são os sismos, é a construção. Tanto quanto julgo saber, existem problemas sérios desse ponto de vista. Existe um conjunto de construções muito antigas muito mal preparadas”, acrescentou o geólogo Filipe Rosas.

Para tal, é necessário maior fiscalização das estruturas, para garantir que a aplicação das normas está a ser cumprida, quer nos prédios novos quer nas estruturas reabilitadas. “O conhecimento evoluiu bastante, existem novos materiais, novas técnicas, o conhecimento com base de outros sismos. Estas normas tendem a promover mais a segurança nos nossos prédios.”

O Estado português, defendeu José Azevedo, não tem recursos suficientes para reabilitar todas as estruturas do país segundo as mais recentes normas de proteção sísmica, pelo que os decisores políticos devem definir as estruturas que servem toda a população e que não devem, de forma alguma, ficar em risco quando acontecer um sismo de grandes dimensões no nosso país. “É preciso haver um esforço de fiscalizar tudo o que é construído, sabendo que é construído com as regras apropriadas. É importante usarmos tudo aquilo que é hoje tecnologicamente mais avançado para proteger estruturas especiais, como hospitais, escolas, tudo aquilo que é mais importante do ponto de vista coletivo. Temos de dar prioridade ao que é mais importante.”

Mais de 68% dos edifícios da Área Metropolitana de Lisboa foram construídos antes da legislação de proteção sísmica ser aplicada. De acordo com os Censos de 2021, há na região mais de 306 mil habitações construídas entre 1919 e 1990, ano em que começaram a ser construídos os primeiros prédios que contemplavam as leis de proteção sísmica.

“Desde 1980, todos os edifícios projetados em Portugal têm de seguir legislação antissísmica. Os edifícios que foram construídos a partir do final da década de 80 têm à partida níveis de resiliência superiores a eventos sísmicos. Edifícios anteriores a essa data temos de ter cautela acrescida”, lembrou o presidente da Ordem dos Arquitetos, Avelino Oliveira.

No entanto, Humberto Varum, da Ordem dos Engenheiros, explicou que depois da aprovação das novas medidas de segurança existiu um período de preparação para as novas normas que, na prática, significa que só a partir do início da década de 90 é que Portugal começou a construir “com níveis de segurança bem superiores” aos que existiam até então.

Partilhar

Edição Impressa

Assinar

Newsletter

Subscreva e receba todas as novidades.

A sua informação está protegida. Leia a nossa política de privacidade.