A iniciativa espanhola de terminar com o prémio nacional das touradas lançou fortes críticas nas alas conservadoras do país vizinho. No entanto, a decisão do Ministério da Cultura em abolir com o prémio foi baseada “na nova realidade social e cultural em Espanha”, onde a preocupação com o bem-estar dos animais aumentaram conforme a frequência na maioria das praças de touros diminuiu.
E em Portugal, qual é a realidade? Em entrevista à ‘Executive Digest’, o secretário-geral da Protoiro, Hélder Milheiro, explicou-nos como está a ser vivida esta tradição.
Que comentário lhe merece esta posição do Governo espanhol de deixar cair um prémio emblemático na tauromaquia do país vizinho?
Ela revela uma total ausência da consciência de que o exercício de um cargo público não serve para promover gostos ou visões pessoais mas sim respeitar os cidadãos e a lei, ainda para mais numa área como a cultura, onde a liberdade e diversidade são imperativos democráticos e constitucionais. Quem diria que em pleno século XXI ainda teríamos exercícios de censura num país ocidental.
No entanto, já era esperado este gesto vindo de um ministro que pertence ao Sumar, partido de extrema-esquerda, que na senda do Podemos, tem tentado instrumentalizar a cultura tauromáquica para efeitos partidários, semeando falsidades e um discurso de ódio em relação à cultura tauromáquica e aos cidadãos aficionados. Mas se olharmos bem para o momento desta decisão, ele surge no pico da campanha das eleições catalãs, onde o Sumar tem previsões eleitorais muito negativas, pelo que tentou usar o truque dos toiros para ganhar visibilidade anti-Madrid e anti-Espanha nas eleições que se vão realizar.
É um gesto desesperado de um partido que está em sérios apuros. A contestação social e política foi imediata, vinda do próprio PSOE, o partido maioritário do Governo, além do PP, sendo que pelos menos três regiões autónomas anunciaram de imediato que irão criar prémios de tauromaquia em resposta à decisão do ministro. Parece que o tiro fez ricochete.
Pode-se encontrar paralelo deste prémio em Portugal? E se sim, quem atribui e qual o valor?
Não existe um prémio deste tipo em Portugal.
Uma das justificações prende-se com a cada vez menor interesse do público no toureio, com menos corridas e menos exposição mediática. É realmente assim? E em Portugal, qual é a realidade?
Essa é uma das falsidades habituais. A tauromaquia em Espanha tem um número de espectadores anual em redor dos 6,5 milhões (2022, ainda não há dados de 2023) e mais de 1.500 espetáculos, número superior aos números pré-pandemia. É o segundo espetáculo de massas, gerando 400 milhões de euros de bilheteira e 42 milhões de euros em impostos.
O impacto económico de todo o setor ronda os mil milhões de euros. Segundo os inquéritos do Ministério da Cultura os jovens entre os 15 e 24 anos são os que mais frequentam os espetáculos tauromáquicos. Este retrato é muito claro acerca da falsidade das declarações do ministro, além disso, o acesso à cultura é um direito constitucional e o Estado espanhol está obrigado à sua promoção, seja para maiorias ou minorias. Esse tipo de argumento não é aceitável em democracia. As ditaduras é que invocam maiorias para proibir minorias.
No caso português, o mercado tem uma escala diferente, à imagem do país, obtivemos também em 2023 um aumento de espectadores, superando os 400 mil, crescimento de 7% face a 2022, o melhor resultado desde 2016, só superado por 2019. Realizaram-se 176 espetáculos (191 em 2022), com o cancelamento anormal de 16 espetáculos agendados devido ao mau tempo. Não tivesse sido esta situação estaríamos a falar também de um ano superior a 2022. Infelizmente não temos dados económicos globais do sector.
Se olharmos para a última sondagem nacional sobre Tauromaquia (Eurosondagem Dez 2019) 86,7% dos portugueses não é contra as touradas, 30,3% afirmam-se aficionados, 33,7% são indiferentes às touradas 22,7% não gosta mas defende a liberdade de escolha, só 11% são proibicionistas. Esta sondagem nacional indicou também que 50,5% dos portugueses já assistiu a uma tourada ao vivo, 30% dos jovens entre os 15 e os 30 afirmam-se aficionados, e 15% proibicionistas. 70,5% acha que seria muito grave ou grave o desaparecimento das touradas.
Quanto às atitudes em relação aos partidos, 67,1% dos portugueses não votaria num partido que tomasse medidas proibitivas contra a tauromaquia, só 14% afirma que o faria. São números muito esclarecedores sobre a realidade social dos portugueses em relação à tauromaquia.
Como perspetiva que possa vir a ser a época em Portugal? Em número de espetáculos, de assistência e de projeção mediática?
A temporada de 2024 começa oficialmente a 1 de fevereiro em Mourão e termina a 1 de novembro no Cartaxo. Está agora a começar a fase de maior atividade da temporada que tem o seu pico em agosto. Este ano as expectativas são muito positivas, esperamos uma consolidação dos números e do crescimento pós-pandemia, para uma total recuperação do setor. Estes primeiros meses têm sofrido com a instabilidade climatérica, com muitos espetáculos que tiveram de ser cancelados, o que irá afetar os resultados globais do ano. No entanto, a nível artístico temos um grupo de jovens toureiros e de grupos de forcados num grande momento, a que se juntam aos veteranos, e que estão a gerar grande expectativa para esta temporada. Mediaticamente esperamos conseguir o regresso das transmissões de corridas em sinal aberto.
Teme que os recentes protestos sobre alterações climáticas – assim como a violência dos mesmos – possam ‘transferir-se’ para os espetáculos tauromáquicos em Portugal?
De modo algum, não vemos qualquer relação. A tauromaquia é um espetáculo de família e muito tranquilo. Aliás, os protestos contra a tauromaquia são bastante reduzidos e insignificantes. No Campo Pequeno não passam das 20, 30 pessoas. Respeitamos a liberdade de todos. Falando em questões climáticas e ecológicas, em linha com os objetivos da Conferência das Nações Unidas de Montreal sobre a biodiversidade e preservação dos ecossistemas, os ganadeiros portugueses fazem um enorme trabalho enquanto gestores ecológicos, promovendo a biodiversidade, o combate à desertificação dos solos e a mitigação das alterações climáticas em cerca de 70 mil hectares de montado, lezíria e espaços endémicos nos Açores, dedicados ao toiro bravo, preservando também este património genético. A tauromaquia é historicamente um setor exemplar neste campo.
Politicamente, com o novo formato do Parlamento, como está posicionado o debate sobre o futuro da tauromaquia?
O futuro da tauromaquia depende de si própria, da capacidade de continuar a atrair um largo número da população portuguesa. As manifestações culturais existem enquanto são vividas. Em termos políticos e legais importa perceber que em democracia as manifestações culturais não se podem proibir, estão constitucionalmente protegidas. Como bem baliza a nossa Constituição, o Estado está obrigado à promoção do acesso à cultura e está impedido de a programar, de criar formas culturais ou de as proibir.
A cultura é um direito fundamental, de cada cidadão, que ninguém lhe pode tirar. Estamos a falar de direitos humanos. Há alguns micropartidos que pretendem violar a lei e os direitos constitucionais democráticos, é uma realidade que constatamos. Politicamente, a esmagadora maioria dos partidos neste novo Parlamento respeita a cultura tauromáquica, o que é um exemplo democrático, que aliás tem sido a norma no nosso Parlamento.














