A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou esta quarta-feira, em Bruxelas, o aguardado “Escudo Europeu da Democracia”, uma iniciativa que pretende combater a desinformação russa, os conteúdos manipulados por inteligência artificial e as interferências em processos eleitorais. No entanto, o plano, anunciado um ano após ter sido prometido no discurso de investidura do segundo mandato de Von der Leyen, foi recebido com críticas generalizadas por ser considerado vago, insuficiente e sem orçamento definido, segundo o jornal El Español.
A proposta surge num contexto de crescente preocupação com a influência de Moscovo nos debates públicos europeus e com a disseminação de “deepfakes”, vídeos e imagens falsos de líderes políticos criados com recurso à IA. Apesar disso, o documento agora apresentado pela Comissão repete medidas já existentes e oferece poucas novidades práticas, mantendo um tom mais declarativo do que executivo.
O El Español revela que o Executivo europeu terá agido com extrema cautela para não reavivar tensões com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que ameaçou impor novas tarifas aduaneiras à União Europeia caso esta endureça a aplicação das suas leis digitais — a Lei dos Serviços Digitais e a Lei dos Mercados Digitais — às grandes tecnológicas norte-americanas.
Essa pressão explica, em parte, a postura prudente da vice-presidente da Comissão responsável pela Soberania Tecnológica, a finlandesa Henna Virkkunen, que se recusou a esclarecer quando serão aplicadas sanções à plataforma X (antigo Twitter), de Elon Musk, alvo de investigação há dois anos por difusão de conteúdos ilegais e desinformação. “Estas são novas leis e é essencial reunir todas as provas antes de tomar qualquer decisão”, declarou Virkkunen durante a apresentação do projeto.
O jornal acrescenta que os dirigentes das grandes plataformas digitais, incluindo Musk, alinharam com Trump nesta legislatura para bloquear a regulamentação digital europeia, o que explica a ausência de medidas punitivas imediatas.
Falta de respostas a casos concretos e medidas sem prazos
Questionada sobre os vídeos falsos divulgados por membros do Governo de Viktor Orbán contra o líder da oposição húngara, a vice-presidente não anunciou novas medidas, limitando-se a referir que, segundo a Lei dos Serviços Digitais, as plataformas são obrigadas a “avaliar e mitigar permanentemente os riscos sistémicos que representam para os processos eleitorais”.
O chamado Escudo da Democracia prevê “incentivar o desenvolvimento de ferramentas para detetar conteúdos manipulados com IA”, incluindo deepfakes e padrões de comportamento coordenado em redes sociais, desde bots automáticos até à amplificação algorítmica. No entanto, a Comissão não apresentou nenhum calendário, orçamento ou estrutura operacional que garanta a aplicação destas intenções.
Centro Europeu para a Resiliência Democrática sem recursos definidos
A medida mais tangível do plano é a criação do Centro Europeu para a Resiliência Democrática, destinado a partilhar informações e reforçar capacidades na luta contra a manipulação da informação, as ingerências estrangeiras e a desinformação. Contudo, Bruxelas não revelou nem o número de funcionários, nem o orçamento, nem a localização do centro, sublinhando apenas que a participação dos Estados-membros será voluntária.
Também foi anunciada uma rede europeia independente de verificadores de factos e um apoio financeiro reforçado ao jornalismo local e independente, mas novamente sem valores concretos. Além disso, a Comissão planeia criar uma rede de “influencers” voluntários para promover a alfabetização digital e sensibilizar para as regras europeias sobre integridade da informação e transparência online.
Paralelamente, o executivo de Von der Leyen prepara-se para aprovar, já na próxima semana, propostas que flexibilizam e adiam a aplicação do regulamento europeu da Inteligência Artificial, uma decisão vista como cedência à pressão das grandes plataformas tecnológicas e da administração Trump.
O plano prevê ainda orientações sobre o uso ético da IA em campanhas eleitorais e a atualização do conjunto de ferramentas eleitorais previstas na Lei dos Serviços Digitais, mas sem qualquer nova legislação vinculativa.
Rússia apontada como principal fonte de desinformação
No documento estratégico, a Comissão identifica o Kremlin como o principal responsável pelas campanhas de desinformação e interferência eleitoral na Europa, referindo exemplos recentes na Roménia e na Moldávia. “Além da sua brutal guerra de agressão contra a Ucrânia, a Rússia está a intensificar os ataques híbridos e a travar uma batalha de influência contra a Europa”, alerta Bruxelas.
Segundo o texto, estas campanhas “penetram profundamente no tecido das sociedades europeias, minando a confiança nos sistemas democráticos”. A Comissão aponta ainda outros fatores de vulnerabilidade, como o aumento do extremismo, a polarização política, a queda na participação cívica e a erosão da liberdade de expressão, agravados pela transformação digital e pela influência dos algoritmos na formação da opinião pública.
Apesar da retórica firme, analistas consideram que o “Escudo Europeu da Democracia” de Ursula von der Leyen fica muito aquém da dimensão dos desafios que a própria Comissão reconhece. A ausência de novas medidas concretas, prazos definidos e orçamento dedicado reforça a perceção de que o projeto é, no essencial, um gesto simbólico mais do que uma resposta efetiva à ameaça da desinformação e à manipulação digital que continua a pôr à prova a democracia europeia.














