Por Joana Vieira, partner da Ebury
Um dos temas mais incontornáveis e presentes na agenda atual são as tarifas implementadas por Donald Trump. Com constantes avanços e recuos, estas medidas geraram uma instabilidade global que tem prejudicado a atividade económica em todo o mundo. Esta instabilidade já se fez sentir de forma significativa nas cadeias de abastecimento, obrigando as empresas globais a repensar os seus fundamentos.
Um dos efeitos mais imediatos e visíveis foi a instabilidade dos preços. Os aumentos repentinos das tarifas introduziram flutuações imprevisíveis, com alguns setores a registarem subidas de até 25% nos preços de importação. Perante este cenário, muitas empresas viram-se obrigadas a tomar decisões difíceis: absorver os custos adicionais, reduzindo as suas margens de lucro, ou repercuti-los nos consumidores, arriscando a perda de quota de mercado e de vantagem competitiva.
Para mitigar o impacto da ameaça tarifária, as empresas começaram a procurar fornecedores e mercados alternativos. Foram também forçadas a cancelar ordens de compra, armazenar stock para evitar ruturas ou renegociar preços com os seus fornecedores. Estas medidas resultaram num aumento dos custos de inventário, previsões de procura menos precisas e na imobilização de capital valioso em cadeias de abastecimento cada vez mais fragilizadas.
Perante este cenário de incerteza e disrupção, uma das estratégias que tem vindo a ganhar cada vez mais relevância nas cadeias de abastecimento é o friendshoring. Esta abordagem consiste em priorizar relações comerciais com países considerados aliados geopolíticos e económicos, reduzindo a exposição a parceiros menos previsíveis.
Embora não resulte diretamente do processo de desdolarização que vivemos, trata-se de uma tendência interligada, que pode acelerar a redução da dependência global do dólar. Num contexto marcado por cadeias de abastecimento frágeis e por um ambiente internacional instável, as empresas devem, de forma proativa, apostar na agilidade e, sobretudo, na diversificação como pilar estratégico.
Essa diversificação pode assumir várias formas, sendo uma das mais fundamentais a expansão geográfica e a escolha cuidadosa de fornecedores. Reduzir a dependência de fontes únicas permite às empresas explorar alternativas em mercados consolidados, como Hong Kong e Singapura, ou em economias emergentes, como Vietname, Brasil, Quénia, Nigéria ou Colômbia. Esta abordagem contribui para reforçar a resiliência e minimizar os riscos associados a mudanças repentinas no comércio internacional.
Outra forma relevante de reforçar a resiliência operacional está na adoção de soluções de recebimentos na moeda local. Ao receber os pagamentos de clientes na divisa local, é possível garantir maior previsibilidade, conveniência e eficiência, tanto para a empresa como para os seus clientes internacionais. Este tipo de abordagem permite que os pagamentos internacionais sejam processados no mesmo dia, sem deduções inesperadas, enquanto transmite confiança aos clientes, por lhes oferecer meios de pagamento familiares e seguros.
Com experiência no apoio a empresas em contextos globais, na Ebury temos ajudado organizações a simplificar o processo de faturação, disponibilizando contas em moeda local e permitindo a emissão de faturas na moeda preferida dos clientes. Além disso, contribuímos para mitigar o impacto da volatilidade cambial, protegendo os resultados operacionais e promovendo maior estabilidade financeira.
A volatilidade resultante das tarifas pode provocar flutuações significativas nos pares de moedas, sobretudo quando está em causa o dólar norte-americano. Perante este cenário, torna-se fundamental implementar um processo estruturado para gerir proativamente a exposição cambial, especialmente no que diz respeito ao dólar.
Isso implica simular diferentes cenários económicos e geopolíticos globais e planear antecipadamente como a cadeia de abastecimento deve reagir em cada situação. É igualmente recomendável proceder a uma reavaliação completa do processo de negociação, desenvolver planos de contingência robustos e dar prioridade à adaptabilidade e à capacidade de resposta face a potenciais interrupções.
O comércio global já segue uma trajetória de desdolarização e tudo indica que esta tendência poderá acelerar nos próximos anos. Resta saber se o atual período de instabilidade será passageiro ou se marcará uma mudança estrutural duradoura.
Caso se trate de uma fase transitória, é provável que a cadeia de abastecimento global já tenha ultrapassado o período mais crítico. Nesse cenário, o sistema poderá reajustar-se e voltar a operar com relativa normalidade, ainda que com novas estratégias, processos adaptados e estruturas de custos revistas à luz dos desafios recentes.




