O novo ano letivo arranca já esta semana e promete trazer velhos problemas e novos desafios. Em entrevistas exclusivas à Executive Digest, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), e José Feliciano Costa, secretário-geral da Fenprof, partilharam preocupações convergentes sobre a falta de professores, a integração de alunos imigrantes, a aplicação da nova lei sobre telemóveis e o risco de contestação sindical.
Filinto Lima fala em “nuvem cinzenta” que marcará a década
Para Filinto Lima, a principal dificuldade mantém-se: “O início vai ser muito semelhante ao do ano passado, com aquela nuvem muito carregada, muito cinzenta, que nos vai acompanhar durante vários anos, pelo menos até o final desta década, que é a escassez de professores.”
A situação agrava-se sobretudo em Lisboa e no Algarve. “Ninguém do norte do país vai para estas duas regiões pagar 800, 900 euros por uma casa ou por um quarto. Esse é o grande problema do nosso sistema educativo”, alertou o presidente da ANDAEP, insistindo que a solução passa por apoios à habitação para docentes deslocados.
Apesar de reconhecer as 17 medidas já avançadas pelo Ministério da Educação, considera que falta uma 18.ª: “Lamento não terem tomado ainda a medida de apoio na estadia. Na deslocação está tratado, mas falta o apoio à estadia aos novos professores.”
Fenprof denuncia “desmantelamento” do Ministério da Educação
Da parte da Fenprof, José Feliciano Costa não escondeu preocupação com as mudanças em curso na estrutura governativa. “Provavelmente não se chama reforma do Estado, chama-se desmantelamento das estruturas do atual Ministério da Educação. Nem os professores, nem as suas estruturas mais representativas foram ouvidos. Isto deixa um sentimento de insegurança, de vazio, de ninguém perceber o que está a acontecer”, afirmou.
O dirigente sindical sublinha que os problemas que marcaram o final do ano letivo passado não só permanecem como se agravam. “Há falta de professores, mas também de assistentes operacionais, mediadores, técnicos de línguas, psicólogos. Apesar dos concursos, isto fica muito aquém do necessário”, disse.
Segundo José Feliciano Costa, os dados confirmam o agravamento: “Logo à partida teremos o ano letivo a começar com um conjunto significativo de milhares de alunos já sem aulas. O ministro diz que reconhece isso, mas que está tranquilo. Ainda bem que ele está tranquilo, nós não estamos.”
Telefone nas mochilas divide escolas
Outro desafio imediato é a proibição de telemóveis nas escolas. Filinto Lima explicou à Executive Digest que a implementação da lei depende da autonomia de cada estabelecimento: “Cada escola está, neste preciso momento, a envolver as comunidades educativas para que depois, através dos seus órgãos próprios, tomem a última decisão.”
Embora a lei seja clara no 1.º e 2.º ciclos, o presidente da ANDAEP acredita que muitas escolas estenderão a restrição ao 3.º ciclo e até ao secundário, para evitar desigualdades internas: “Vai saber se aquela miúda do quinto ano sai do sexto? Se tem telemóvel, se não tem telemóvel? Não será fácil. Outra solução é reforçar o número de funcionários nas escolas.”
Mediadores e educação especial em risco
A integração de alunos imigrantes é outro ponto crítico. “O problema é estarem no desemprego 286 mediadores que o ano passado chegaram às escolas. São fundamentais para integrar pais e alunos. Não havia necessidade nenhuma de irem para o desemprego”, criticou Filinto Lima.
O responsável acrescentou ainda que a educação especial é “o parente pobre da educação”, denunciando falta de professores, terapeutas e técnicos especializados.
Crise estrutural e falta de incentivos à profissão
Do lado da Fenprof, a leitura é estrutural e a prazo. José Feliciano Costa revelou dados que indicam uma renovação insuficiente do corpo docente: “Nos próximos 25 anos, a renovação será de 4 mil aposentações por ano, ou seja, 100 mil professores. Este ano entraram 1.100 alunos nos cursos de formação. Mesmo assim, em 25 anos teríamos apenas 27.500 novos professores. Como se resolve isto?”
O sindicalista defende incentivos claros para atrair jovens e recuperar docentes que abandonaram a carreira. “Cerca de 15 a 20 mil professores habilitados abandonaram a profissão. Muitos voltariam se houvesse estabilidade e valorização da carreira”, assegurou.
Paz ou novo ciclo de greves?
Ambos os dirigentes alertam para o risco de novo ciclo de contestação. Filinto Lima lembrou que “há cerca de um ano o ministro Fernando Alexandre trouxe à Escola Pública a paz e estabilidade”, mas teme que essa paz seja frágil. “Urge aumentar os vencimentos de todos os escalões. Ninguém se reconhece nesta avaliação do desempenho docente, tremendamente injusta. Espero que a paz que conquistámos não seja roubada pelo Governo.”
Da parte da Fenprof, a mobilização já está em marcha. “De setembro e outubro vamos ter um ano de atividade sindical, com presença nas escolas. O 5 de outubro será um dia com iniciativas de rua. Perante a desvalorização da carreira, teremos de dar resposta”, garantiu José Feliciano Costa, que antecipa um “ano letivo muito complicado”.
O sindicalista foi ainda mais direto: “O chamado plano de sucesso não resolveu nada. O que resolve é iniciar o processo de valorização da carreira. Aguardamos a proposta de Orçamento do Estado, que dará um grande indicador das intenções do Governo para a educação.”














