Entre a retenção e a coerção: como o planeamento inteligente pode salvar o SNS

Opinião de José Pedro Fernandes, Vice-Presidente da SISQUAL® WFM

Executive Digest
Setembro 12, 2025
10:04

Por José Pedro Fernandes, Vice-Presidente da SISQUAL® WFM

Nos últimos anos, o Serviço Nacional de Saúde tem vivido uma tensão constante entre a necessidade urgente de manter profissionais e a incapacidade estrutural de lhes oferecer condições dignas. A proposta apresentada pela Plataforma de Jovens Profissionais de Saúde é um documento raro no panorama político: não é apenas uma lista de queixas, mas um plano detalhado, com metas, prazos e eixos estratégicos bem definidos. Fala de reformulação de carreiras, grelhas salariais justas, incentivos para fixação em zonas carenciadas, combate à precariedade e programas de prevenção do burnout. Tudo com uma visão clara de que o talento não se retém com discursos, mas com condições concretas que valorizem quem está na linha da frente.

Em paralelo, o Governo prepara-se para avançar com um projeto de lei que “disciplina” o recurso a prestadores de serviços, impondo penalizações a médicos que recusem contratos no SNS, abandonem a função antes do tempo de finalização de contrato ou recusem fazer horas extra além do legalmente obrigatório. O objetivo passa por reduzir a dependência de prestadores de serviço – vulgo “tarefeiros”, pagos à hora para cobrir as escalas das urgências do SNS, o que acaba por tornar o regime menos atrativo para os profissionais de saúde. No entanto, a lógica subjacente é diferente da dos jovens profissionais: enquanto uns propõem atrair pela valorização, outros procuram reter pela restrição. A curto prazo, pode parecer uma solução eficaz para preencher escalas de urgência, mas no longo prazo corre o risco de aumentar a sensação de coerção e desmotivação que já alimenta a fuga para o setor privado ou para o estrangeiro.

É precisamente neste cruzamento de intenções que entra a importância das ferramentas de workforce management. Uma parte significativa da desorganização atual — horários impossíveis, excesso de horas extraordinárias, recurso constante a prestadores — é resultado de uma gestão fragmentada e reativa dos recursos humanos. Plataformas modernas permitem não só organizar escalas, mas também prever necessidades, distribuir cargas de forma equilibrada, integrar preferências individuais e garantir transparência nos critérios de alocação. Um planeamento inteligente reduziria a dependência de soluções de última hora e criaria um ambiente mais previsível e sustentável para todos os envolvidos.

Ao contrário do que muitos pensam, Workforce Management não é apenas tecnologia; é estratégia. No SNS, permitiria articular melhor as propostas da plataforma, como carreiras dignas e horários sustentáveis, com a meta governamental de reduzir o recurso a “tarefeiros”. Com dados precisos sobre disponibilidade, competências e carga de trabalho, seria possível substituir contratos precários de forma progressiva, gerir incentivos de fixação em zonas carenciadas e, sobretudo, evitar que os mesmos profissionais sejam sistematicamente sobrecarregados.

O que está em jogo não é apenas a forma como se contratam médicos, mas o próprio modelo de funcionamento do SNS. Apostar em planeamento inteligente é mais do que uma questão operacional, é um ato político de respeito pelos profissionais e de garantia de qualidade para os utentes. É o caminho que permite unir as duas visões, valorização e disciplina, num modelo coerente, onde a permanência no SNS não resulta de imposição, mas de escolha.

Se continuarmos a gerir pessoas sem uma visão integrada, alternando entre incentivos isolados e medidas punitivas, o ciclo de urgência permanente vai manter-se. Mas se combinarmos políticas de valorização com gestão estratégica e previsível, podemos transformar o SNS num lugar onde não é preciso forçar ninguém a ficar porque trabalhar nele será, por si só, uma opção de futuro.

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