O relatório preliminar do GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários) apontou que a mudança do tipo de cabo utilizado no Elevador da Glória poderá ter tido um papel importante na tragédia, tal como o não funcionamento dos sistemas de travagem.
De acordo com especialistas consultados pelo semanário ‘Expresso’, na origem do acidente pode estar uma alteração realizada há seis anos, quando se passou de um cabo totalmente em aço para um formado por seis cordões de aço com “alma em fibra” – o núcleo passou a ser de uma “corda” que se “deformou” ao longo de meses, levando o cabo a soltar-se.
Fernando Correia, engenheiro mecânico na reforma, levantou uma possibilidade corroborada por especialistas em engenharia de Materiais do Instituto Superior Técnico (IST): a avaliação ao tipo de material explica o momento zero que fez com que o cabo que suporta o ascensor se tenha soltado do trambolho, a peça onde é amarrado. “Existiu efetivamente a troca do cabo que era de aço e passou a ser um de alma de fibra (possivelmente polimérica), mudando o interior (core) para uma rigidez muito inferior, o que implica uma mudança de sistema”, indicou Pedro Amaral, engenheiro de materiais.
A mudança de material deveria ter feito repensar “a amarração, garantem os especialistas, isto porque os cabos com núcleo em aço como em fibra têm resistência de largas toneladas, “muito maior do que a necessidade do sistema”. No caso de uma “alma em fibra”, para ser segura, a amarração teria de ser feita com um sistema diferente.
Assim, ao longo do tempo, o cabo terá perdido resistência ao aperto feito no trambolho. “Quando se aperta num primeiro momento, fica tudo apertado, mas depois é preciso olhar para o fator tempo. Há dilatações, vibrações e a compatibilidade entre ambos os materiais é diferente do que se fosse aço com aço”, indicaram os especialistas.
Segundo Pedro Amaral, “após a aplicação da carga, quando há cedência, existe uma deformação que é irreversível. Isso parece visível numa das imagens do relatório”, algo que não aconteceria se o cabo fosse totalmente em aço. “Um cabo de alma em fibra começa a deformar-se, perde resistência no aperto. A certa altura já não está apertado.” O cabo, recorde-se, é fornecido pela Carris e foi trocado em setembro de 2024 – faltavam ainda 263 dias para ser substituído.
Por último, os travões, tanto o pneumático como o manual. “Na configuração existente, os freios não têm a capacidade suficiente para imobilizar as cabinas em movimento” quando não estão ligadas pelo cabo. “Desta forma, não constitui um sistema redundante”, apontou o relatório do GPIAAF. “Se assim é, trata-se de uma falha de conceção grave ninguém ter percebido que o sistema de travagem afinal não tinha capacidade para aguentar com o ascensor se o cabo se partisse. Choca-me muito”, referiu Fernando Branco, professor do IST. “Os travões nunca dispuseram da capacidade redundante necessária para imobilizar autonomamente os veículos em caso de falhas no cabo”, sustentou, apontando “erros graves de conceção, talvez aceitáveis no início do século XX, mas absolutamente inconcebíveis nos dias de hoje”.














