Massachusetts Institute of Technology: Inteligência do bem-estar: As novas competências

Embora as vagas contínuas de infecções por COVID-19 tenham desempenhado um papel no absentismo, há também provas de um aumento dos problemas de saúde mental, que foram responsáveis por 20% dos dias de baixa utilizados em França em 2022 – um aumento de 17% em 2021 e 15% em 2020. Para o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, o custo dos dias de baixa por doença relacionados com problemas de saúde mental duplicou desde o início da pandemia, totalizando quase 500 milhões por ano.
Há muitas explicações que se sobrepõem para esta aparente diminuição do bem-estar no trabalho. O mais óbvio é que estamos a emergir de uma pandemia global que exigiu que tanto organizações como trabalhadores fossem resilientes face a condições de trabalho stressantes, para além das preocupações com a saúde e a família. Se acrescentarmos uma crise de custo de vida, é evidente que a ansiedade começa a dominar a nossa experiência de trabalho. Além disso, quando os colegas se ausentam devido a doenças ou problemas de saúde mental, isso pode criar um efeito dominó, uma vez que os que ficam para trás têm de assumir responsabilidades adicionais a curto prazo.
Muitas organizações, incluindo a Vitality, a Salesforce e a Infosys, conceberam aquilo a que chamamos estratégias organizacionais para o bem-estar, mediante iniciativas como a reformulação da sua cultura e a oferta de benefícios directos de bem-estar. Estas mudanças podem envolver a formação de líderes em bem-estar, a oferta de benefícios como meditação ou aplicações de bem-estar, ou o acesso a aconselhamento.
A tendência para o aumento da utilização de dias de baixa por doença e de problemas de saúde mental exige que se concentre a atenção nestas iniciativas de bem-estar no local de trabalho. Propomos o conceito de inteligência do bem-estar para os gestores como um conjunto de competências e uma ferramenta para compreender e melhorar o seu próprio bem-estar e o dos seus trabalhadores. À medida que os desafios no local de trabalho aumentam, a inteligência do bem-estar torna-se uma competência de liderança essencial. Os gestores eficazes devem conseguir detectar quando os outros têm dificuldades no seu bem-estar, e saber quando e como oferecer apoio.
Muitas pessoas estão familiarizadas com o conceito de inteligência emocional — a maneira como as pessoas compreendem as suas próprias emoções, as regulam e abordam as emoções dos outros — popularizado por Dan Goleman no seu livro de 1995 sobre o tema. Embora as emoções e o bem-estar estejam interligados, diferem na sua definição e no seu impacto no trabalho. As emoções são mais difusas e o seu efeito no trabalho é menos directo do que o do bem-estar. Podemos experimentar uma grande variedade de emoções durante um curto período, com o nosso humor a mudar consoante o contexto, as pessoas à nossa volta ou os nossos próprios pensamentos. O bem-estar, no entanto, é um estado a longo prazo que influencia o comportamento e as interacções no local de trabalho e fora dele.

OS CÍRCULOS DA INTELIGÊNCIA DO BEM-ESTAR
Quando os líderes reconhecem a prevalência de problemas de saúde mental no local de trabalho, podem mudar a cultura e aumentar a consciencialização para esta preocupação premente. Líderes de todos os níveis podem sentir-se deprimidos, ansiosos e stressados no trabalho, mas ao reconhecerem e abordarem as causas profundas, podem demonstrar o seu empenho em apoiar o seu próprio bem-estar e o dos outros.
O modelo abaixo resume os conjuntos de competências essenciais da inteligência do bem-estar: identificar os principais desafios da saúde mental, como o stress e a ansiedade; reconhecer as suas causas profundas; e conceber abordagens para os resolver a nível individual, da equipa e da organização. O primeiro passo é desenvolver a autoconsciência do próprio bem-estar. A autoconsciência permite que os indivíduos compreendam os seus pensamentos, sentimentos e comportamentos, e ajustem as práticas de trabalho individuais em conformidade para o autocuidado.
Compreender o nosso próprio bem-estar ajuda-nos a compreender e a explicar como o bem-estar dos outros também pode ser afectado, a detectar os desafios que enfrentam e a agir relativamente a esses problemas e aos nossos (que podem ser os mesmos). Por sua vez, observar e agir sobre o bem-estar permitirá aprender com a experiência, ajudando, em última análise, os gestores a implementarem mudanças ao nível da equipa. Isto, por sua vez, alargará o apoio ao bem-estar e encorajará o desenvolvimento de normas positivas em toda a organização.

A INTELIGÊNCIA DO BEM-ESTAR, NA PRÁTICA
A aplicação da inteligência do bem-estar na prática exige um esforço dedicado e uma mudança de comportamento a três níveis.

1 – Dar prioridade ao bem-estar individual. O primeiro passo de um gestor para aumentar a sua inteligência de bem-estar é olhar para dentro de si próprio para reconhecer os seus próprios desafios de saúde mental no trabalho e identificar as suas fontes. Sem a capacidade de compreender o que afecta a nossa própria saúde mental e quais os desafios que enfrentamos, o nosso potencial para resolver os problemas dos outros é limitado. Para serem atentos, ponderados, resilientes e colaborativos, os gestores devem começar por se concentrar no seu próprio bem-estar e adoptar as seguintes medidas.
Auto-avaliar continuamente a sua própria saúde mental. Nesta primeira etapa, reflectimos sobre as nossas experiências no trabalho e identificamos como estas afectam o nosso bem-estar, positiva ou negativamente. O stress é actualmente provocado por interacções específicas no trabalho ou por períodos específicos, como prazos orçamentais? Ou é a experiência de um sentimento persistente de pavor — típico da ansiedade — quando vamos para o trabalho? A inteligência do bem-estar requer uma auto-reflexão contínua, em vez de se ignorar as necessidades até que estas se tornem demasiado graves para serem ignoradas.
Fazer mudanças concretas na sua própria abordagem ao trabalho. A auto-análise permite que os líderes façam alterações nas práticas ou estruturas de trabalho que respondem aos desafios. Por exemplo, descobrimos que, no contexto do trabalho híbrido, quando a abundância de reuniões provocava um aumento dos níveis de stress, o bem-estar dos executivos seniores beneficiava mais com as horas de enfoque. Na sequência do stress, os gestores podem rever a sua gestão do tempo no trabalho e reafectar tarefas para protegerem o seu próprio tempo de enfoque. Os gestores inteligentes em termos de bem-estar também têm mais probabilidade de proteger o seu tempo livre, prevenindo o burnout.

2 – Melhorar o bem-estar da equipa. Embora a auto-avaliação seja essencial para a inteligência de bem-estar, é provável que os problemas enfrentados por um indivíduo sejam sentidos por outros membros da equipa. Por conseguinte, o conhecimento e a compreensão pessoais destas questões podem ajudar a resolvê-las colectivamente ao tomar as medidas seguintes.
Avaliar o bem-estar dos membros da equipa. A realização de breves inquéritos de opinião é uma boa forma de obter dados anónimos sobre a saúde mental dos colaboradores, uma vez que permite que as pessoas comuniquem os problemas discretamente. A um nível mais pessoal, quando a confiança tiver sido estabelecida, reuniões anuais de avaliação ou mesmo conversas informais podem ser ferramentas úteis para avaliar os desafios de bem-estar que os colaboradores enfrentam. As informações recolhidas através destes esforços podem ser avaliadas e tratadas pelos gestores que compreendem como e porquê desafios semelhantes aos seus podem afectar os trabalhadores. Se os gestores observarem desafios de bem-estar entre os seus colegas que diferem dos seus, a experiência de terem aprendido e abordado os seus próprios problemas tê-los-á provavelmente ensinado a desenvolver uma abordagem sistemática para separar os problemas de bem-estar das suas causas profundas.
Melhorar as práticas de trabalho. As informações recolhidas através das avaliações podem fornecer provas e criar ímpeto para se mudar as práticas organizacionais, e o próprio processo cria uma consciencialização e aceitação das questões de saúde mental em geral. Ao nível da gestão, as pequenas mudanças são importantes; impor horários de trabalho limitados, encorajar um equilíbrio saudável entre a vida profissional e a vida privada, ou estabelecer pausas dedicadas e dias sem reuniões pode fazer uma diferença significativa nos membros da equipa. Convidar os trabalhadores com dificuldades a pedir apoio à sua equipa ou aos seus gestores melhorará o bem-estar, tanto directa como indirectamente, reduzindo a vergonha e o estigma frequentemente associados aos problemas de saúde mental.

3 – Promover a mudança sistémica. Compreender e dar prioridade ao bem-estar individual e da equipa pode desencadear uma mudança mais ampla e inspirar novas abordagens nas organizações.
Alargar o apoio organizacional ao bem-estar. Algumas questões de bem-estar exigem um apoio a um nível mais elevado do que aquele que um gestor individual pode dar. As políticas organizacionais relativas a acordos de trabalho flexíveis ou tempo livre são cruciais para garantir que os colaboradores preservem limites fortes entre o seu lado profissional e pessoal. Se a carga de trabalho for um problema importante, pode ser útil melhorar a concepção das funções, redistribuir as tarefas, ou considerar formas de aumentar o pessoal ou o apoio em áreas específicas da organização.
Alterar as normas organizacionais. Algumas normas organizacionais — como a maneira como o feedback é fornecido, os estilos de comunicação da gestão (principalmente se os gestores comunicam depois do horário de trabalho), ou as atitudes em relação a faltas por doença — podem desencadear problemas de bem-estar. Identificar e abordar estas normas a nível individual e de equipa pode ajudar a mudar essas práticas bem enraizadas. Destacar as consequências dessas normas negativas e incentivar boas práticas em torno do feedback, da comunicação e das interacções no local de trabalho pode levar a uma mudança duradoura.

DESENVOLVER A INTELIGÊNCIA DO BEM-ESTAR
A inteligência do bem-estar não é uma competência inata, e aprender, explorar e avaliar potenciais soluções para questões relacionadas com a saúde mental implica um esforço consciente. Avaliar se as mudanças melhoraram com sucesso o bem-estar pode ajudar os gestores a determinarem se o diagnóstico inicial do problema era exacto, ou se uma abordagem alternativa seria mais eficaz. Esta abordagem baseia-se na recolha contínua de feedback dos colaboradores, mediante inquéritos formais e anónimos ou conversas informais individuais. Variáveis mais tangíveis, como a rotatividade ou o aumento do número de dias de baixa, são também indicadores óbvios de problemas actuais.
Os problemas de bem-estar podem levar algum tempo a surgir e a ser resolvidos à medida que os gestores ajustam as mudanças. A inteligência do bem-estar implica descobrir como as mudanças no trabalho afectam o bem-estar, e modificar essas abordagens para garantir a sua eficácia. Além disso, a sensibilização para estas questões e a criação de uma coligação na organização são cruciais para liderar a mudança.
As empresas podem também considerar a possibilidade de dar formação adaptada aos colaboradores sobre a detecção de problemas de saúde mental, incluindo o reconhecimento de sinais e sintomas de stress, ansiedade ou depressão. O stress e a ansiedade são muitas vezes confundidos — porque aparecem frequentemente em simultâneo — mas a ansiedade é vista como uma apreensão persistente e uma preocupação avassaladora. O stress é um estado de curto prazo normalmente causado por um factor externo, como um prazo apertado ou uma reunião com um colega particularmente intimidante. O burnout é frequentemente o resultado de stress prolongado e não tratado; identificar os problemas à medida que surgem pode ajudar os gestores a detectarem o burnout e a resolverem o problema antes que se torne crítico.
Um desafio permanente à aprendizagem e ao desenvolvimento da inteligência do bem-estar é a mudança para o trabalho híbrido. Detectar problemas de bem-estar em interacções mediadas por ecrã ou áudio é mais difícil. Os sinais de stress ou ansiedade visíveis nas interacções frente a frente podem ser muito mais difíceis de discernir num contexto remoto. Os gestores podem ter de se basear no tom de voz, nos silêncios das conversas ou na velocidade do discurso, em vez de recorrerem a sinais não verbais típicos, para detectarem o stress ou a ansiedade dos colegas. Os sinais comportamentais, como a dificuldade em manter o volume de trabalho, o isolamento dos membros da equipa durante as reuniões, atrasos frequentes, ou o incumprimento de prazos, também podem indicar uma quebra no bem-estar.
A inteligência do bem-estar exigirá, portanto, a capacidade de conduzir discussões delicadas sobre saúde mental no contexto da comunicação online. Desenvolver confiança durante as interacções presenciais pode facilitar as partilhas online. Para as organizações totalmente remotas, a integração de debates sobre bem-estar nas avaliações anuais e o início de reuniões de equipa remotas com uma rápida ronda de relatórios de bem-estar pode ser uma forma simples de demonstrar que o bem-estar dos colaboradores é importante.
A pandemia tornou claro que o investimento em inteligência do bem-estar já não é opcional; é essencial tanto para o bem-estar dos trabalhadores como para o sucesso das organizações. Não é rebuscado imaginar um futuro em que os gestores são regularmente questionados sobre as suas próprias práticas de saúde mental e as medidas que tomaram para promover o bem-estar dos membros da equipa. As organizações que promovem a inteligência do bem-estar não se limitam a criar uma força de trabalho mais saudável e mais produtiva; constroem uma vantagem competitiva para o futuro.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 206 de Maio de 2023

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