Massachusetts Institute of Technology: As multinacionais precisam de laços mais estreitos à medida que a globalização recua
A globalização está a recuar, e as multinacionais estão na defensiva. Por todo o mundo, países ricos e pobres ergueram barreiras comerciais e estabeleceram proibições de exportação para lidar com a pandemia e a guerra na Ucrânia. Em 2020, ventiladores, batas cirúrgicas, medicamentos e outros equipamentos essenciais foram difíceis de obter. Dois anos mais tarde, trata-se de trigo, óleo de palma, carne de vaca e outros produtos alimentares – e isso não inclui outros artigos relacionados com as sanções que as nações impuseram à Rússia.
Citando o interesse nacional, os governos recuperaram grande parte do poder que as multinacionais adquiriram ao longo de décadas de globalização quase sem restrições. A inclinação da balança de poder pode ser traçada desde a crise financeira global de 2008, quando os bancos e as empresas tiveram de ser salvos pelos governos com o dinheiro dos contribuintes. Nos anos que se seguiram, o crescimento do comércio mundial vacilou à medida que a China se voltou para dentro e os EUA abraçaram uma política de «América Primeiro». A pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia, nenhuma das quais consideradas prováveis, acrescentou um impulso à desglobalização – e aos decretos do governo.
Como resultado, as empresas multinacionais (MNC), cuja própria ascensão se baseou na livre circulação de bens e mão-de-obra, estão em desvantagem. Habituadas a governos amigos e a acesso fácil a mercados estrangeiros, não desenvolveram o sofisticado discernimento político para gerir expectativas governamentais e públicas.
O fundador da Alibaba, Jack Ma, por exemplo, criticou a regulamentação financeira na China em Outubro de 2020, ultrapassando um limite que levou as autoridades chinesas a afundar a oferta pública inicial do seu conglomerado de fintech e a reprimir as grandes empresas tecnológicas do país. No ano passado, o ministro do comércio da Índia fez publicamente o maior conglomerado do país enfrentar uma intransigência semelhante, depois de o Tata Group se ter pronunciado sobre as novas e duras regras de comércio electrónico.
Se as condições para as MNC nos seus países de origem são agora menos acolhedoras, pense nas suas operações em países estrangeiros. As relações entre as MNC e os governos anfitriões podem deteriorar-se com o tempo, em conjunto com o poder de negociação que as MNC inicialmente desfrutavam quando chegavam. No entanto, pouco se sabe sobre o que torna algumas MNC mais capazes do que outras de lidar com a hostilidade dos anfitriões.
Para saber, estudámos oito MNC envolvidas em disputas com governos estrangeiros na América do Sul entre 2001 e 2012: Cemex na Venezuela; Telefonica, Repsol, Vivendi e Endesa na Argentina; Telecom Italia na Bolívia; Shell na Nicarágua; e Iberdrola na Guatemala. Como a história parece repetir-se com regularidade, a onda de globalização levou à utilização generalizada de parcerias locais por muitas multinacionais em expansão, que acreditavam ser a forma mais rápida e indiscutivelmente mais bem-sucedida de internacionalização. Depois, quando a globalização recuou, essa regressão revelou os inconvenientes das parcerias locais, e as vantagens anteriores tornaram-se fraquezas debilitantes. As nossas pesquisas mostram este efeito secundário fatal.
As nossas conclusões, publicadas no Journal of Management Studies, mostram que a dependência de parceiros locais pode, inadvertidamente, criar aquilo a que chamamos um «risco de interioridade». Os parceiros locais, com os quais as MNC colaboram frequentemente sob a forma de joint ventures, isolam os investidores estrangeiros dos stakeholders locais. Isto impede que as multinacionais desenvolvam contactos directos, fomentem laços locais e construam uma reputação local – e tudo isto pode fazer uma diferença significativa na capacidade de reacção e adaptação das MNC à súbita hostilidade dos governos locais.
ANTECIPAÇÃO, ESCALADA, EXPROPRIAÇÃO
Concebemos três fases de crescente hostilidade das autoridades políticas: antecipação, escalada e expropriação. Quatro dos casos que estudámos subestimaram a ameaça de expropriação ao primeiro sinal de problemas. Só tomaram medidas correctivas depois de a hostilidade do governo se ter tornado evidente, e acabaram por não conseguir obter apoio local e internacional. A maioria destas empresas abandonou os seus países de acolhimento e recebeu uma compensação mínima ou nula pelas suas perdas.
Um segundo grupo de empresas captou sinais de alerta precoce e mobilizou-se prontamente para recolher informações, divulgar as suas próprias narrativas e reforçar o apoio local e internacional. Três delas mantiveram operações no país anfitrião, mesmo após a expropriação, e/ou receberam uma compensação do governo anfitrião.
– ANTECIPAÇÃO: Os litígios começam normalmente com acções simbólicas e ambíguas que insinuam a intenção do governo de intervir num sector ou economia, geralmente em nome da protecção dos interesses do seu povo. As acções podem incluir a fixação de limites máximos de preços, o aumento dos impostos sobre as empresas, ou a utilização de sindicatos para pressionar as multinacionais com protestos públicos ou greves.
Em resposta a esta primeira fase de hostilidade governamental, quatro das empresas – Telecom Italia, Vivendi, Iberdrola e Endesa – confiaram em parceiros locais para recolher informações adicionais e acompanhar a situação. O que obtiveram foi informação filtrada, que pintou um quadro parcial e impreciso que as levou a delegar também a acção.
«Fomos míopes», revelou-nos um director da Telecom Italia. «Delegámos quando devíamos ter intervido directamente.»
Estas quatro empresas adoptaram uma estratégia de rede a que nos referimos como «incorporação mediada». Esta abordagem de vistas curtas decorre frequentemente do enfoque estreito das empresas nos lucros. Segundo os nossos entrevistados, a Telecom Italia via o investimento local como uma mera «fonte de dinheiro», enquanto a Iberdrola, uma empresa espanhola de electricidade, não pensou ser necessário investir nas comunidades locais. A Telecom Italia sujeitou-se mesmo à raiva local ao violar um acordo com um sindicato local e despedir trabalhadores.
A Endesa, outra das MNC que contava com um parceiro local para gerir a sua relação com o governo anfitrião, construiu boa vontade com a população local ajudando os desfavorecidos e proporcionando formação e outros benefícios. Isto pode explicar porque é que a companhia espanhola de electricidade conseguiu mobilizar apoio local e renegociar as tarifas com o governo anfitrião na Argentina. Acabou por permanecer no país por mais cinco anos.
Em contraste, quatro outras empresas da nossa amostra – Shell, Telefonica, Cemex e Repsol – procuraram informações junto de lobistas locais, sindicatos ou outras MNC. Isto ajudou-as a ligar os pontos da incipiente hostilidade governamental e estimulou-as a tomar medidas precoces.
Estas MNC possuíam e geriam directamente os seus investimentos locais, construíram relações com uma vasta gama de stakeholders locais, e estabeleceram contactos com o governo central através de lobistas, «contactos de alto nível» ou interacções informais com autoridades políticas. Chamamos à sua estratégia de rede «incorporação proximal».
Os stakeholders locais ajudaram estas empresas a detectar sinais subtis de hostilidade focada. Os gestores da empresa mexicana de materiais de construção Cemex e da empresa espanhola de energia Repsol, por exemplo, notaram que alguns empreiteiros andavam a atrasar os pagamentos e que alguns grandes clientes mudaram de fornecedor. As empresas entraram em acção. Um executivo da Cemex recordou: «Recolhemos provas e documentos. [As autoridades políticas] afirmavam ou faziam algo. Tomávamos nota disso e escrevíamos. Tínhamos tudo documentado. Nunca tememos que nos faltassem argumentos.»
– ESCALADA: Nesta fase, as MNC começam a enfrentar acusações governamentais específicas de não cumprirem os seus compromissos de investimento ou de causarem poluição. Têm também de enfrentar manifestações, multas, aumento de impostos, processos de acção colectiva e críticas nos media.
Os gestores de empresas multinacionais que operam através de parceiros locais fizeram uma avaliação ainda mais errada da situação. No caso da multinacional francesa de serviços hídricos Vivendi, os gestores sustentaram que a hostilidade que enfrentaram na Argentina deveu-se a «acontecimentos infelizes» e não a um plano deliberado para confiscar os seus bens.
Também preferiram evitar o confronto directo, procurando em vez disso apaziguar as autoridades. Como lamentou um director da Telecom Italia, «na Bolívia, a minha impressão agora é que o parceiro local sabia [da ameaça], mas não disse nada… Quando não existe uma parceria, compreendemos melhor o que está a acontecer.»
Em contraste, os gestores de empresas proximamente incorporadas já tinham pressentido o perigo e sondado activamente os stakeholders locais para avaliar se partilhavam a hostilidade do governo.
Os gestores da Cemex, por exemplo, contactaram os fornecedores para renegociar os termos dos seus contratos. Encontraram-se com clientes que tinham parado ou atrasado os pagamentos, e marcaram reuniões com funcionários locais para discutir rumores de que os executivos de topo eram negligentes. A Cemex também encetou contactos amigáveis com o governo e mobilizou lobistas para recolher informações sobre os motivos do governo.
Os gestores pró-activos das MNC proximamente integrados concluíram assim que um confronto com o governo era inevitável e começaram a planear em conformidade. Todos eles procuraram realçar como os seus investimentos tinham contribuído para o desenvolvimento económico local e transmitir que as acções propostas pelo governo iriam prejudicar, e não ajudar, as comunidades locais.
Por exemplo, a Telefonica salientou como as suas «tecnologias de gestão modernas aumentaram a eficiência empresarial e a qualidade dos serviços e bens oferecidos à comunidade».
Afirmou que o governo não conseguia financiar os investimentos necessários em telecomunicações. A Repsol, entretanto, advertiu que a expulsão das MNC teria um efeito terrível no investimento estrangeiro na Argentina.
– EXPROPRIAÇÃO: Ameaças e acusações dão finalmente lugar ao cancelamento ou modificação formal de concessões (Iberdrola e Endesa), expropriação de activos (Cemex, Repsol, Telefonica e Telecom Italia), ou embargo à concessão de recursos (Shell e Vivendi) sem compensação.
Os gestores de empresas que operam através de parceiros locais (Vivendi, Iberdrola e Telecom Itália) enfrentavam agora uma ampla hostilidade por parte dos stakeholders locais. O único recurso destas MNC foi apresentar queixas ao ICSID, mesmo quando se preparavam para sair dos seus países de acolhimento.
Em contraste, as MNC proximamente integradas intensificaram os seus esforços para mobilizar os stakeholders locais e pressionar os governos anfitriões a resolverem as disputas amigavelmente, ou pelo menos a não causarem mais danos aos seus activos remanescentes.
A Endesa, a única MNC a seguir uma estratégia híbrida, perdeu o controlo do seu conselho de administração e foi forçada a vender a participação maioritária na sua subsidiária argentina. Contudo, com a ajuda de apoiantes locais, conseguiu persuadir o governo a renegociar as tarifas e a continuar as suas operações no país.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 198 de Setembro de 2022