E se a embalagem de gelado fosse reutilizada por outra pessoa?
Tom Szaky quer mudar a forma como fazemos compras e, por isso, ajudou a criar a Loop, que envia produtos de marcas como Tide ou Haagen-Dazs ao cliente final. Depois de usados, o consumidor devolve a embalagem vazia, que é limpa e recarregada para o cliente seguinte.
Por Adele Petes, colaboradora da Fast Company
Num futuro não muito distante – na próxima Primavera para quem vive perto de Nova Iorque ou Paris – será possível comprar gelado ou champô numa embalagem reutilizável. A ideia é que, quando acabarmos de comer um Häagen-Dazs, possamos colocar a embalagem de aço inoxidável numa caixa pessoal de reutilização e não no caixote do lixo. Depois, esta será recolhida e levada para instalações de limpeza e esterilização para que seja recarregada com nova quantidade de gelado… para outro cliente.
A Loop, a nova plataforma de zero desperdício de uma coligação de grandes empresas de produtos de consumo, é a grande responsável por este projecto-piloto. «Embora a reciclagem seja muito importante, não vai resolver a causa real dos desperdícios», explica Tom Szaky, CEO e co-fundador da TerraCycle, empresa conhecida por reciclar materiais difíceis de reciclar e um dos parceiros por detrás do projecto. «Gerimos a maior cadeia de fornecimento de plástico do oceano do mundo, recolhendo-o e transformando-o em produtos da Unilever e Procter & Gamble, entre outros», afirma Szaky. «Contudo, todos os dias chegam mais plásticos ao oceano, por isso por muito que o limpemos, nunca vamos resolver o problema. Foi daí que surgiu a Loop… para nós, a principal causa do desperdício não é o plástico em si, é usar as coisas uma única vez, e é isso que a Loop tenta mudar o mais possível.»
A TerraCycle trabalhou com empresas como Procter & Gamble, Nestlé, PepsiCo, Unilever durante um ano para desenvolver a nova plataforma. Cada embalagem do sistema foi feita para aguentar 100 ou mais utilizações. No lançamento inicial, os produtos estarão disponíveis através do site de comércio electrónico da Loop. Quando encomendamos, por exemplo, um desodorizante ou um detergente, pagamos um depósito pela embalagem. A encomenda chegará num saco reutilizável – criado por engenheiros da UPS para aguentarem várias viagens – em vez de vir numa caixa de cartão. À medida que usamos os produtos, as embalagens vazias vão para o mesmo saco. Quando está cheio, basta ir ao site da Loop e pedir que o venham recolher (ou, se preferirmos, deixá-lo numa loja UPS).
Para os consumidores, o processo está feito para parecer simples. «O objectivo não é fazer com que as pessoas mudem, é criar sistemas que fazem com que não mudem – mas depois temos de resolver a questão no processo», revela Szaki. «Criar mudanças nos consumidores é muito difícil. Por isso, a primeira pergunta que fizemos ao desenvolvermos o modelo foi “por que é que a descartabilidade ganhou?” Acredito que tenha sido por ser conveniente e acessível.»
Outros tentaram resolver o problema do lixo através de outros modelos, como embalagens recarregáveis ou mercearias zero desperdício. Contudo, quando essas soluções são menos convenientes ou acessíveis face às embalagens habituais, não têm adesão. A Loop tenta ser tão conveniente como deitar algo no lixo; nem é preciso lavar a embalagem, por isso, nesse aspecto, é mais simples do que a reciclagem. Com excepção do depósito reembolsável, o custo dos produtos será semelhante ao que os clientes pagam actualmente. Os clientes podem também pagar o envio dos sacos para trás e para a frente, embora alguns produtos possam ser enviados gratuitamente, dependendo do seu peso.
A UPS, parceira do piloto inicial para a entrega de encomendas e recolha de sacos com embalagens vazias, afirma que o sistema encaixa nas operações da empresa. «Se pensarmos no dia típico de um condutor de entrega de encomendas, ele sai do edifício de manhã com um veículo totalmente cheio», revela Patrick Browne, director global de Sustentabilidade da UPS. «À medida que faz as suas entregas, ao longo do dia, numa rota muito organizada de forma a reduzir quilómetros, vai recolhendo embalagens. Por isso, o condutor sai de veículo cheio e chega de veículo cheio.»
Quando uma embalagem é devolvida, o cliente recebe o seu depósito (ou, caso tenham pedido uma subscrição automática, o recibo da embalagem faz a ligação a uma nova encomenda). As embalagens vazias vão para instalações para serem limpas e depois são devolvidas aos fabricantes para serem recarregadas. Todos estes envios têm as suas consequências ambientais, mas quando a TerraCycle calculou o impacto total das embalagens, descobriu que é entre 50 e 75% melhor para o ambiente do que as alternativas convencionais.
«O grande custo [ambiental] de um produto, quer durável, quer descartável, está na sua criação pela primeira vez, na extração de materiais da terra, etc.», explica Szaky. «Isso não acontece na reutilização. Em vez disso, temos o custo do envio e da limpeza, que acaba por ser significativamente menor que o custo da reprodução.»
Passar a responsabilidade de uma embalagem do consumidor para a marca cria novas oportunidades. «Para o fabricante, deixa de ser um custo para passar a ser um bem», afirma. Em vez de tentar criar a embalagem mais barata possível, esta pode ser criada para ter um aspecto melhor nas prateleiras. Podem também ter um melhor desempenho; a embalagem do gelado Häagen-Dazs, por exemplo, consegue manter o gelado sólido durante várias horas.
Ao trabalharem nas embalagens, as marcas fizeram também alterações nos produtos. Uma embalagem de pasta de dentes é mais difícil de reutilizar, por isso a Unilever criou tabletes de pasta que os consumidores podem mastigar. As tabletes são entregues numa embalagem reutilizável. E em certos casos, por exemplo, os próprios produtos podem ser reciclados. A Loop irá vender fraldas, por exemplo, numa embalagem reutilizável, aproveitando depois as partes das fraldas que são recicláveis.
O modelo é semelhante às entregas de leite no início do séc. XX, embora ainda esteja por provar se irá funcionar no mundo moderno. No piloto que se estreia esta Primavera, a Loop irá testar como o sistema funciona, incluindo a durabilidade das embalagens, o impacto nas operações de produção, a entrega e, crucialmente, se os consumidores voltam a encomendar produtos desta forma. (Mais tarde, irá lançar os produtos em lojas físicas; os pormenores do sistema nas lojas físicas ainda não foram finalizados.) O sucesso, explica Szaky, dependerá da aceitação do cliente, e o facto de a plataforma vender marcas que já são bem-sucedidas será uma ajuda. «Não temos de demonstrar o valor da nossa marca de champô porque já é a melhor», diz. «Não temos de provar que os consumidores compram na nossa loja porque já o fazem. Estamos simplesmente a dar-lhes uma forma alternativa de aceder a essas coisas.» Se os primeiros pilotos correrem bem, a plataforma pode expandir-se em termos globais. O facto de falarmos de grandes marcas como Tide e Gillette – e não marcas de nicho que querem chegar aos consumidores ecologistas – é significativo. As grandes marcas estão a reconhecer que as embalagens precisam de mudar. (Muitas já se comprometeram a mudar para embalagens de plástico reutilizável, reciclável ou compostável.) Oito das 10 empresas que a Greenpeace listou como maiores contribuidoras do mundo para a crise do desperdício de plásticos fazem parte da Loop e a coligação está em negociações com as outras duas. «Estamos objectivamente numa crise de lixo e as marcas querem encontrar soluções para acabar com ela», assevera Szaky.
Este artigo foi publicado na edição de Março de 2019 da Executive Digest.