Do outro lado do espelho… com José Gonçalves
José Gonçalves, presidente da Accenture Portugal, começou a montar aos 39 anos e, hoje, aos 47 anos entra em competições de saltos com o Gordons. Uma cumplicidade que evolui entre cavaleiro e cavalo, num trabalho de equipa exigente e num sentimento de superação a cada galope.
Texto de TitiAna Amorim Barroso
Foto de Paulo Alexandrino
Esta é uma paixão antiga. Aliás, é a esse termo – paixão – que José Gonçalves entrega toda a sua história. A família é de Trás-os-Montes, da aldeia Vila Chã, em Vila Pouca de Aguiar, e era lá que passava férias, na quinta agrícola dos tios. «O que me despertava mais a atenção eram os cavalos. Tem a ver com a sua imponência, são animais muito robustos mas, ao mesmo tempo, muito generosos. São especiais.»
A prática ficou por ali, encostada ao universo da infância, em jeito de «paixão adiada», conta. Até que a recuperou enquanto procurava uma actividade possível de fazer com os dois filhos, Inês e Guilherme, hoje com 15 e 18 anos respectivamente. «Foram a uma festa de anos e ficaram interessados na equitação, eu sempre tive vontade e nunca tinha tido oportunidade. Juntou-se o útil ao agradável.» Foi há oito anos. Os filhos, entretanto desistiram, fruto de outros interesses, mas José Gonçalves mantém-se fiel à prática e à evolução da mesma, sempre com muita paixão.
Depois de saber o que chama de os básicos – passo, trote, galope –, foi à procura da etapa seguinte – saltar. «Os saltos têm vários efeitos muito importantes na minha vida. São um anti-stress brutal, fazem parte do meu reequilíbrio. Tenho duas aulas por semana e quando estou em cima do cavalo não penso em mais nada, as preocupações e problemas não estão presentes. Quando termino há um efeito de recomeço. E depois há a parte física. Não sendo um desporto cardiovascular intenso, em termos de destreza física é relevante. Há um bem-estar que resulta E da prática da equitação, que aprecio», vai contando.
José Gonçalves não tem cavalo, por opção. «Continuo a ver a equitação e os saltos como algo que me dá muito prazer, sem preocupações. Ora ter um cavalo é uma grande responsabilidade, precisa de ser montado quase todos os dias, caso contrário vai perdendo a preparação física. E precisa de sair da box, de arejar, tal e qual os cães», conforme expõe.
É na Escola MP da Beloura que o presidente da Accenture Portugal monta. Michele e Pedro (MP) são os donos e quem, de há três anos para cá, lhe reserva sempre o mesmo cavalo, o Gordons. «É um cavalo muito tranquilo, dá-me muita confiança. É espectacular. Tenho uma óptima relação com ele! Tem uma característica: nunca borrega, independentemente do estado de espírito. [Borregar é parar.] Normalmente quando o cavalo pára, àquela velocidade, é difícil o cavaleiro não cair. Mesmo sentindo que não fizemos tudo bem salta sempre e isso revela a sua generosidade», detalha. E a verdade é que José Gonçalves leva a sério o seu relacionamento com o Gordons. «Vou sempre mais cedo para as aulas, aparelho-o, trato dele e no final gosto de lhe dar duche. É a criação de uma relação, ele tem de nos conhecer e respeitar.» Há muito trabalho de equipa: «O cavalo e o cavaleiro formam uma dupla. Têm de ter um conhecimento mútuo. Não há um cavalo igual. E eles próprios começam a conhecer-nos. É muito importante sentirmos o seu estado de espírito, para agirmos de acordo com a sua energia.» E há o trabalho do treinador. «São pessoas com muita experiência, que estão de fora a corrigir os erros. Mesmo os grandes cavaleiros recorrem a treinadores, porque de fora conseguem ver o equilíbrio, a posição correcta e o ritmo adequado. Uma ajuda essencial para se evoluir. É um trabalho de equipa, no mínimo a três. Cavalo e cavaleiro, mais o treinador.» E neste campo também se identifica com os valores cultivados pelos donos da MP da Beloura e a sua treinadora Maria. Valores esses de profundo e sincero respeito pelo cavalo, sendo que a sua segurança e bem-estar estão em primeiro lugar. Chegando agora ao ponto de ter dificuldade em assistir a corridas de cavalos e touradas.
À medida que se foi sentindo mais confiante quis começar a entrar em competições, as chamadas Poules, provas amadoras de saltos. «Aqui acabei por encontrar muitas pontes com o meu trabalho: a competição, a adrenalina e a superação. Há parecenças com as apresentações a clientes ou de projectos, importantes na actividade de um consultor. São momentos-chave, nos quais tentamos ser o mais efectivos possíveis e tem uma parte da preparação, a que equiparo com o treino semanal; depois há a parte antes de entrar numa apresentação, em que se sente adrenalina e ansiedade positiva; e há ainda a capacidade de me superar numa prova, tal como numa apresentação. Noto que este paralelismo me ajuda a ter mais concentração, a gerir a ansiedade e a respiração», sublinha.
Nas provas começou a saltar meio metro, que é o mínimo, com oito ou 10 saltos; passou para os 0,80 cm com 10 saltos, e agora está nos 0,90 cm com 12 saltos. «Há um processo geométrico para chegar ao salto na posição correcta e o ritmo a que se vai», explica.
Nos treinos, o presidente da Accenture Portugal já põe o Gordons a saltar pouco mais de um metro, mas nas provas deve-se montar um nível de dificuldade abaixo. «As provas são consideradas ambientes hostis, muitas pessoas a assistir, mais a música, acabam por afectar o cavalo, não se está ao mesmo nível do que num ambiente descontraído e relaxado», lembra, ressalvando que o objectivo é entrar em provas de um metro nos próximos meses. Assume-se um cavaleiro amador, mas deixa escapar que a fronteira para montar mesmo bem, até para não se correrem riscos, é o metro. «Mas logo veremos se tenho energia e disponibilidade para ir para esse campeonato.»
Quando entra em provas, não esquece o traje próprio: camisa, calças e gravata brancas e uma casaca, preta, no caso do presidente da Accenture Portugal. «Estar mal fardado pode ser impeditivo para entrar. A equitação vem de um meio com muita tradição. Há muito rigor e disciplina na forma como um cavalo e um cavaleiro se apresentam nas provas.»
José Gonçalves conta ainda que não tem nenhum ritual ou superstição, procurando apenas não se alimentar muito, antes das provas. Os episódios neste universo são muitos, até porque entra em competições todos os meses. Caiu várias vezes, mas nunca se magoou. «Comecei a montar tarde, com quase 40 anos. É totalmente diferente para quem começa a montar em criança. Os miúdos têm uma capacidade de aprendizagem e o corpo absorve todos os instintos.»
Já ganhou quatro provas e ficou em último em muitas. «Mas nunca caí numa prova, embora um dia tenha caído duas vezes no aquecimento. O cavalo saltou e quando fez a recepção caiu e eu saí disparado. O que não é muito seguro, porque o cavalo podia ter continuado a rebolar, e levar com 500 kg em cima não deve ser nada agradável. Mas como sou persistente e competitivo, voltei para cima do cavalo, apesar de estar dorido, continuei. Logo a seguir, uma pessoa atravessa-se, decide regular a altura, antes mesmo de saltarmos e o Gordons não saltou, coisa inédita. E novamente saí disparado, bati no obstáculo, ele saiu a correr e foi perigoso, mas felizmente não aconteceu nada. Há riscos, mas controlados», adianta.
Outra história curiosa foi quando se esqueceu do percurso. «Fiz o reconhecimento, decorei-o, estudei as distâncias para adaptar ao número de passos do cavalo. Mas ia com a pressão de ter vencido a prova anterior e deu-me uma branca. Isto é engraçado, o facto de conseguirmos gerir a ansiedade e conseguirmos sentir em prova que aquilo é uma adrenalina positiva, no sentido de dar o extra mille. E que isso não seja um factor de grande stress e é isso que também se treina e aprende e se traz para o mundo do trabalho de uma forma bastante útil», partilha, fazendo o paralelismo com o universo da consultoria. Mas que o importante, o que o move «não é vencer, é a autossuperação. Há muitos miúdos que montam muito melhor do que eu. O giro é provar a mim próprio que, tendo começado a montar tarde, só pela paixão e dedicação que tenho é que é possível fazer coisas que achava impossível há uns anos. É mais um sentimento de superação e evolução do que propriamente sentir que sou um cavaleiro fantástico», esclarece José Gonçalves, para quem a competição é importante até para aferir o nível em que está, para se testar e evoluir. «Lá sou mais um, durante muito tempo as pessoas não sabiam quem eu era e isso também é um espaço de libertação brutal. Faz-nos estar mais perto daquilo que é importante», conclui.
Este artigo foi publicado na edição de Março de 2019 da Executive Digest.