Em setembro de 2015, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) revelou um dos maiores escândalos da história automóvel. Descobriu-se que os motores a gasóleo da Volkswagen estavam equipados com um software que manipulava os testes de emissões, fazendo com que os veículos parecessem menos poluentes do que eram na realidade. O impacto foi global: 11 milhões de automóveis afetados em todo o mundo.
O chamado Dieselgate abalou profundamente a indústria automóvel e destruiu o mito do “diesel limpo”. A marca mais poderosa da Alemanha viu a sua reputação ruir e o episódio marcou simbolicamente o início do fim da era dominada pelos combustíveis fósseis.
O colapso do “diesel limpo”
A Volkswagen tinha feito do motor a gasóleo o seu principal trunfo tecnológico. No entanto, os propulsores EA189, usados também em marcas do grupo como Audi, SEAT, Skoda e Porsche, continham um dispositivo de manipulação que detetava quando o automóvel estava em testes de laboratório e alterava o desempenho para reduzir artificialmente as emissões de óxidos de azoto. Em condições reais, os carros poluíam até 40 vezes mais do que o permitido.
A revelação gerou uma reação em cadeia: demissões, investigações, processos judiciais e perdas em bolsa. O então presidente executivo da Volkswagen, Martin Winterkorn, demitiu-se apenas cinco dias após o caso vir a público. Em dois dias, o valor das ações caiu mais de 30%.
O custo total do escândalo ultrapassa os 30 mil milhões de euros, em multas, indemnizações e custas judiciais. Nos EUA, a marca fez um acordo no valor de 14,7 mil milhões de dólares em compensações e pagamentos a autoridades. Na Europa, continua a enfrentar ações coletivas e, em 2025, quatro antigos executivos foram condenados a prisão por fraude e manipulação de dados. Segundo a Comissão Europeia, a Volkswagen ainda não compensou os clientes afetados fora da Alemanha.
Do colapso à reinvenção elétrica
Antes do Dieselgate, mais de metade dos carros vendidos na Europa eram a gasóleo. Dez anos depois, essa quota caiu drasticamente, não ultrapassando os 15% no continente e apenas 5% em Espanha. O escândalo atingiu em cheio a engenharia alemã, até então símbolo da supremacia do motor de combustão interna.
As políticas ambientais apertaram e o discurso mudou: o futuro passava a ser elétrico. A Volkswagen lançou a “Estratégia 2025”, um plano de transformação que previa um investimento de 60 mil milhões de euros em veículos elétricos, baterias e novas fábricas.
A família ID., composta pelos modelos ID.3, ID.4, ID.5, ID.7 e ID. Buzz, representa o renascimento da marca. Só entre 2020 e setembro de 2025, o grupo vendeu mais de 1,5 milhões de veículos elétricos, incluindo 717.500 unidades entregues apenas nos primeiros nove meses de 2025, um crescimento de 41,7% face ao ano anterior.
Um novo símbolo para a era pós-Dieselgate
A viragem parece consolidada. As vendas elétricas da Volkswagen na Europa duplicaram desde 2020 e o grupo tornou-se um dos principais protagonistas da mobilidade sustentável.
De acordo com jornal espanhol ‘El Confidencial’, dez anos após o Dieselgate, o episódio continua a ser um espelho incómodo da história recente da marca — mas também um exemplo de reinvenção corporativa. O escândalo que quase destruiu a Volkswagen acabou por forçar a sua transformação mais profunda.
Hoje, quase ninguém se recorda do software fraudulento, mas o impacto da mudança é visível: os automóveis elétricos continuam a conquistar quota de mercado em ritmo acelerado. No primeiro trimestre de 2024, venderam-se quase tantos veículos elétricos quanto em todo o ano de 2020 — sinal de que, da fraude à renovação, a Volkswagen conseguiu converter a crise num novo começo.














