Zoharan Kwame Mamdani tornou-se esta semana no novo presidente da Câmara de Nova Iorque, fazendo história ao ser o primeiro muçulmano a liderar a cidade e o mais jovem a fazê-lo desde 1892. Mas o seu percurso até ao poder está longe de ser convencional. Antes de conquistar a política, foi conselheiro hipotecário, ativista comunitário e até rapper, um trajeto improvável que o catapultou para o centro da vida pública norte-americana.
Mamdani nasceu em 1991, em Kampala, Uganda, e passou parte da infância entre África, a África do Sul e os Estados Unidos. É filho único da realizadora indiana Mira Nair, conhecida por filmes como Queen of Katwe e Monsoon Wedding, e do académico Mahmood Mamdani, uma figura respeitada no campo das ciências sociais. Mudou-se para Nova Iorque aos sete anos e cresceu no bairro do Upper West Side, onde cedo revelou uma consciência social pouco comum. Ainda em criança, organizava campanhas para que o orçamento da escola fosse gasto em educação e não em armamento. “Sabia que a minha vida era privilegiada, mas também que a maioria das pessoas não tinha essa sorte”, recordou anos mais tarde.
De conselheiro hipotecário a defensor da habitação acessível
Antes de entrar na política, Mamdani trabalhou em Queens como conselheiro em prevenção de execuções hipotecárias, ajudando famílias de baixos rendimentos a evitar a perda das suas casas. Foi uma experiência que marcou o seu percurso e definiu o seu compromisso político. “Percebi que o sistema estava desenhado para expulsar as pessoas das suas casas”, contou numa entrevista. A luta pela habitação digna tornou-se a sua principal bandeira e abriu-lhe caminho até à Assembleia Estadual de Nova Iorque, onde foi eleito em 2021.
Paralelamente ao ativismo, Mamdani cultivava uma paixão pelo hip-hop. Sob o nome artístico Young Cardamom, lançou em 2016 o EP Sidda Mukyaalo (“Não voltar ao povoado”) com o rapper ugandês HAB, onde misturava sonoridades africanas com letras sobre migração e desigualdade. Em 2019, regressou com o tema Nani, assinado como Mr. Cardamom, cujo videoclipe contou com a participação da atriz e escritora Madhur Jaffrey, interpretando a avó do próprio músico. Também foi curador musical do filme Queen of Katwe, trabalho que lhe valeu uma nomeação nos Guild of Music Supervisors Awards de 2017.
Em 2017, Mamdani aderiu aos Democratic Socialists of America (DSA), a ala mais progressista do Partido Democrata. A partir daí, mergulhou na política local, participando em campanhas de figuras como Ross Barkan, candidato ao Senado estadual, e Tiffany Cabán, candidata à procuradoria de Queens. O seu trabalho de base e o discurso assente na justiça social transformaram-no num nome de referência da esquerda nova-iorquina.
O seu salto para a política municipal foi tão rápido quanto surpreendente. Em pouco mais de um ano, passou de legislador pouco conhecido a símbolo de uma Nova Iorque multicultural. Fluente em várias línguas, Mamdani discursou em castelhano, bengali e árabe, e conquistou os mais jovens através de vídeos no TikTok, onde soma mais de 1,7 milhões de seguidores. Nos seus conteúdos, debate temas como a habitação, os transportes públicos e o custo de vida, muitas vezes entre danças e conversas com moradores de rua. Essa autenticidade ajudou-o a mobilizar um eleitorado jovem e diverso que há muito se afastara das urnas.
Um discurso de inclusão e solidariedade
O novo autarca construiu a sua imagem política em torno da justiça social e da solidariedade internacional. Tem defendido a causa palestiniana e criticado o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, a quem chamou “criminoso de guerra” — posições que lhe valeram tanto apoios fervorosos como críticas contundentes. Ainda assim, a sua vitória foi expressiva: obteve mais de 50% dos votos, derrotando o independente Andrew Cuomo e o republicano Curtis Sliwa.
No discurso após a vitória, Mamdani destacou as origens imigrantes da cidade e o seu próprio percurso. “Esta cidade foi construída por imigrantes, impulsionada por imigrantes e, a partir de agora, será liderada por um imigrante”, declarou, sob aplausos.
Com apenas 34 anos, Zohran Mamdani chega à liderança da maior cidade dos Estados Unidos como o rosto de uma geração que acredita poder transformar a política através da proximidade, da diversidade e das redes sociais. De rapper a autarca, o seu é um dos percursos mais singulares da história política recente da “Grande Maçã”.
