De Inglaterra à Alemanha, passando pelos EUA: como os parlamentos ocidentais limitam o que os deputados podem dizer

Esse poder disciplinar – muitas vezes exercido pela presidência do Parlamento, noutros com uma votação plenária ou até aplicado por comissões específicas – não diz respeito somente a algo que aconteça no plenário ou em comissões, mas também a acontecimentos em qualquer área do Parlamento (incluindo corredores ou salas dos partidos) ou fora dele

Revista de Imprensa
Maio 28, 2024
8:56

O Parlamento português não é o único que enfrenta o debate sobre a liberdade de expressão: na maioria dos parlamentos há limites ao que os deputados podem dizer, embora uns mais do que outros, segundo sustenta esta terça-feira o ‘Diário de Notícias’.

Em várias assembleias legislativas da Commonwealth, é bastante comum encontrar no regulamento a possibilidade de interromper o discurso do deputado, retirando mesmo a palavra (o que também existe na nossa Assembleia da República), como também a exclusão ou, se a atuação dos deputados for considerada indigna, a suspensão temporária e até mesmo a expulsão.

Esse poder disciplinar – muitas vezes exercido pela presidência do Parlamento, noutros com uma votação plenária ou até aplicado por comissões específicas – não diz respeito somente a algo que aconteça no plenário ou em comissões, mas também a acontecimentos em qualquer área do Parlamento (incluindo corredores ou salas dos partidos) ou fora dele.

No Reino Unido, o Código de Conduta da Câmara dos Comuns estipula que os “membros têm a obrigação de respeitar a lei, incluindo a lei geral contra a discriminação, e agir em todas as ocasiões de acordo com a confiança que neles é publicamente depositada”.

Em França, um incidente no Parlamento em 2022 causou polémica: uma frase racista motivou a suspensão por 15 dias (a pena máxima e apenas a segunda vez decretada desde 1958) a um deputado do Reagrupamento Nacional/RN, partido de extrema-direita liderado por Marine Le Pen. A votação pelo castigo motivou uma afirmação do presidente do Parlamento: “O livre debate democrático não pode permitir tudo. Certamente não permite insultos, certamente não racismo, qualquer que seja o objetivo. É a negação dos valores republicanos que nos unem nesta câmara.”

Nos Estados Unidos, também há exemplos do mau comportamento dos deputados: os deputados estão livres de reprimenda e censura sobre o que dizem, quer na câmara baixa (Câmara dos Representantes) quer na alta (Senado), ou fora delas.

A remoção de comissões é outra das sanções possíveis no Congresso americano, aplicada por exemplo à republicana Marjorie Taylor Greene, em 2021, devido aos “comentários incendiários e aparente apoio à violência contra democratas”. No entanto, os casos de censura vão aumentando. “Até junho de 2023, a Câmara dos Representantes havia censurado os seus membros apenas 24 vezes ao longo da história. Mas as resoluções de censura têm aumentado nos últimos meses. Na primeira semana da legislatura, a Câmara examinou duas resoluções de censura e desde então foram apresentadas mais três.”

No Bundestag (Parlamento alemão), a social-democrata Bärbel Bas garantiu que o número de medidas disciplinares aplicadas estava muito acima do nível das legislaturas anteriores. “Caros colegas, todos sabemos que o discurso e a resposta são determinantes para um debate argumentativo e pacífico. Quem se serve do discurso para emitir provocações, generalizações e banalidades, quem insulta e agride, fica à margem do discurso argumentativo.”

Em 2023, a presidência do Parlamento recorreu a este instrumento 51 vezes para penalizar deslizes verbais e outros comportamentos incorretos. Este número foi superior ao registado em toda a legislatura anterior, de 2017 a 2021, na qual, de acordo com um resumo do Bundestag, foram emitidas 49 chamadas à ordem.

Recorde-se que o presidente da Assembleia da República propôs, no passado dia 20, que, na sequência de uma revisão do Regimento, seja criado um voto de repúdio perante um insulto ou uma injúria que será votado quase de imediato.

Esta posição de José Pedro Aguiar-Branco foi transmitida pelo secretário da mesa da conferência de líderes, o deputado do PSD Jorge Paulo Oliveira, que adiantou que a discussão da questão da liberdade de expressão dos deputados e sua compatibilização com “linhas vermelhas” em relação a discursos considerados xenófobos ou injuriosos foi debatida ao longo de mais de hora e meia.

Uma questão que foi levada a conferência de líderes na sequência de um incidente com o presidente do Chega, André Ventura, que se referiu à capacidade de trabalho dos turcos.

Na sequência deste caso, o presidente da Assembleia da República apresentou na conferência de líderes um “dossier” com preceitos constitucionais e do Regimento relacionados com os poderes de intervenção do presidente do parlamento.

“Houve mais pontos de consenso do que divergência”, referiu o porta-voz da conferência de líderes.

Uma das propostas de José Pedro Aguiar-Branco passou pela criação de um voto de repúdio em relação a discursos considerados de ódio, ideia que será ainda analisada pelos diferentes grupos parlamentares e que requer uma revisão do Regimento da Assembleia da República.

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