Crise nos cuidados a idosos: quase metade dos lares em Portugal são ilegais

Quase metade dos lares fiscalizados em Portugal entre janeiro de 2020 e junho de 2025 operavam de forma ilegal, segundo dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Revista de Imprensa
Agosto 1, 2025
10:44

Quase metade dos lares fiscalizados em Portugal entre janeiro de 2020 e junho de 2025 operavam de forma ilegal, segundo dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Ao todo, foram inspecionados 3504 estabelecimentos, dos quais 1605 não tinham qualquer licença para funcionar, revelando um cenário preocupante: cerca de 45% das estruturas residenciais não respeitam os requisitos legais. Apesar de 128 destes lares terem sido encerrados de forma imediata, muitos outros continuam em atividade, escudando-se na escassez de fiscalização e na falta de alternativas para os utentes.

De acordo com a edição impressa do Expresso, que cita especialistas e investigadores preocupados com a dimensão e persistência do fenómeno. José Ignacio Martín, professor na Universidade de Aveiro e investigador do CINTESIS da Universidade do Porto, é categórico: “Portugal é, possivelmente, o país europeu com mais lares a funcionar ilegalmente, a par da Grécia e da Hungria”. O académico associa este fenómeno à degradação da capacidade das famílias em prestarem cuidados aos idosos, consequência de pressões económicas, rotinas profissionais exigentes e ausência de políticas públicas eficazes de apoio ao envelhecimento.

A realidade é particularmente dramática em zonas rurais, onde o isolamento dos mais velhos e a ausência de filhos por perto — muitos emigrados — obriga à procura de respostas rápidas, embora ilegais. A crise na habitação agrava o problema: idosos que pagavam rendas acessíveis são empurrados para fora das suas casas e acabam, muitas vezes, em estruturas clandestinas. “Muitos destes lares são simplesmente moradias transformadas em depósitos de camas e idosos”, denuncia João Ferreira de Almeida, da ALI – Associação de Apoio Domiciliário, Lares e Casas de Repouso de Idosos, que estima existirem cerca de 3500 lares ilegais em todo o país.

A professora universitária e consultora Carla Ribeirinho corrobora que o fenómeno está a alastrar. “Estão a surgir cada vez mais lares ilegais”, alerta, apontando causas como a escassez de vagas nos lares licenciados, os elevados custos de legalização e a insuficiência das alternativas domiciliárias. Apesar do mérito dos profissionais de apoio, os serviços são frequentemente prestados à pressa. “Manter pessoas no domicílio não pode ser à custa da falta de dignidade”, sublinha. A investigadora critica também a paralisia do Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável 2023-2026, aprovado em janeiro de 2024 mas sem implementação visível.

Outro problema grave prende-se com a fiscalização, descrita como “escassa” e sobretudo reativa. Carla Ribeirinho considera que “os lares ilegais conhecidos são apenas a ponta do icebergue”. Muitas estruturas funcionam fora do radar, com a conivência das próprias famílias: “Se forem denunciados e encerrados, os utentes não têm para onde ir.” Em 2025, as inspeções poderão mesmo cair para o número mais baixo desde 2020, caso se mantenha o ritmo dos primeiros seis meses do ano. A falta de recursos humanos na Segurança Social está no centro da crítica, com as inspeções a dependerem, em grande parte, de denúncias.

Dos 3504 lares fiscalizados desde 2020, 489 receberam ordem de encerramento administrativo — com prazo de 30 dias para fechar voluntariamente — e 128 foram encerrados de forma urgente, por apresentarem risco iminente para a vida dos utentes. Mas o cumprimento das ordens é frágil. “Poucos lares cumprem, e mesmo quando fecham, abrem noutra morada logo a seguir”, denuncia João Ferreira de Almeida. Apesar de o número de lares crescer, o número de inspetores não acompanha o ritmo. A falta de acompanhamento permite a perpetuação de práticas negligentes, que afetam tanto lares lucrativos como estruturas sociais comparticipadas pelo Estado.

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