Portugal enfrenta um problema grave no que diz respeito à habitação. Assim, que estratégias de política de habitação devem ser adotadas? De acordo com um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos – da autoria de Rita Fraque Lourenço, Paulo M. M. Rodrigues e Hugo de Almeida Vilares -, a questão envolve uma abordagem integrada de curto, médio e longo prazo: a nível macro, por meio de políticas governamentais e municipais coerentes, e a nível micro, por meio de projetos individuais.
Assim, há quatro objetivos críticos que devem encontrar reflexo no planeamento das cidades:
– a expansão efetiva da oferta e o aumento da sua elasticidade;
– planeie a expansão das cidades e garanta a provisão de sistemas de transportes sustentáveis e de bens e serviços públicos;
– providencie qualidade habitacional aos cidadãos de forma sustentável, inclusiva, harmoniosa, acessível, e com menor volatilidade de preços e rendas;
– apoio temporário às famílias em situações economicamente mais difíceis.
A oferta em Portugal, apontaram os autores do estudo, é rígida. Como contornar a questão?
O alívio de potenciais fricções territoriais, de informação, incerteza e de cariz regulatório tem potencialmente impactos positivos fortes no bem-estar da sociedade em geral, no aproveitamento do território, e na diminuição de processos de desertificação. Embora sejam medidas que terão efeitos no médio e longo prazo, devem começar já a ser implementadas, assegurando simultaneamente maior acessibilidade e menor volatilidade de preços e rendas no médio e longo prazo. E quais são as medidas?
– definição de áreas de expansão habitacional no seio das áreas metropolitanas, apostando no desenvolvimento de redes de transportes e serviços públicos nessas áreas, replicando experiências passadas de planeamento, como o projeto Parque Expo. Este esforço deve ser conciliado com a disponibilização de solos privados e públicos para construção habitacional, garantindo uma construção sustentável e harmoniosa com uma densidade adequada;
– redefinição do enquadramento regulatório da construção e reabilitação urbana, apostando num novo processo de licenciamento estável, ágil, previsível, significativamente mais rápido, e menos burocrático que contribua para aumentar a elasticidade da oferta;
– repensar a fiscalidade, em termos de IRS, IMI e IMT, ao nível da reabilitação e edificação urbanas, privilegiando a estabilidade, fomentando o investimento, evitando distorções arbitrárias entre projetos habitacionais, e promovendo a coesão socioeconómica;
– Aumento do parque habitacional público pensado para fomentar a coesão social;
– Estímulo a projetos built-to-rent com garantias reais de estabilidade fiscal num horizonte temporal alargado.
E no curto prazo, o que pode ser feito?
No imediato, é provável que a situação se continue a degradar, sendo que políticas do lado da procura têm custos elevados, têm um efeito multiplicador da despesa pública em investimento habitacional demasiado baixo, sendo globalmente pouco eficientes, equitativas e eficazes. Apesar disto, pensamos que a gravidade do problema de acessibilidade exige medidas de curto prazo de apoio à acessibilidade do lado da procura que apoiem as famílias em situações mais débeis. Assim, parece-nos possível que se conceba adotar:
– subsidiação da procura habitacional que se deve focar no arrendamento;
– subsidiação de proprietários para responder à subida rápida de taxas de juro;
– eventual controlo de rendas deve ser de curta duração, circunscrito a limitação de crescimento de rendas, e idealmente complementado com um regime mais flexível de proteção de arrendatários a implementar no médio prazo.
O alojamento local foi também alvo de análise do relatório, que indicou que a “procura por habitações ocorreu de forma inicialmente descontrolada, levando a uma significativa gentrificação turística de alguns locais e bairros de Lisboa e Porto”. Assim, a solução passa por restrições ao alojamento local, que devem ser adotadas a nível local atendendo à realidade de cada bairro/freguesia, procurando proteger unidades de maior valor acrescentado e os investimentos passados, enquanto evitam uma excessiva gentrificação turística.
Sofia Lima, jurista da DECO Proteste, concordou, em exclusivo à ‘Executive Digest’, com as conclusões do relatório. “Falta planeamento para o investimento da habitação pública, sobretudo no arrendamento, que é genérico”, frisou. “O lado da oferta está essencialmente dos privados, o que, com o aumento da procura, potencia o agravamento do valor das rendas.”
“O problema da habitação é de tal forma grave que atualmente estão a ser adotadas medidas cirúrgicas, de curto prazo. Mas na ótica do planeamento, é necessário um conjunto de medidas que não pode ter reflexos já no imediato. O que se assiste é que, em vez de uma política mais abrangente, há pequenos ajustes à legislação em pequenos casos. As medidas visam colmatar falhas imediatas, das situações mais prementes, para garantir que as famílias continuam a ter acesso à habitação. No plano mais abrangente há ainda muito por fazer”, indicou a jurista.
“O problema é tão grave que não se pode limitar à adoção de uma ou outra medida, é preciso uma visão de longo prazo, para evitar situações como as que vivemos agora”, apontou Sofia Lima.
As soluções são escassas, revelou. “Existe um programa que temos destacado, o ‘Arrendamento Acessível’, no qual foi criada uma isenção fiscal para os senhorios que queiram colocar casas no mercado. Os inquilinos têm algumas benesses, com um nível de proteção que salvaguarda as duas partes. Esse programa não tem tido a adesão desejada. Não podemos dizer, em bom rigor, que nada tem sido feito mas muitas vezes as medidas aprovadas nem sempre são conhecidas por parte dos interessados. Há algo que está a falhar e impedem que o mercado se articule e recue por si mesmo”, garantiu.












