Crise em França: Quais os riscos e impactos económicos no país (e na Europa)?

A crise política que abala França desde a demissão inesperada do primeiro-ministro Sébastien Lecornu está a gerar forte instabilidade nos mercados e a inquietar economistas, que alertam para riscos crescentes no cumprimento das regras orçamentais da União Europeia.

Pedro Gonçalves
Outubro 7, 2025
13:03

A crise política que abala França desde a demissão inesperada do primeiro-ministro Sébastien Lecornu está a gerar forte instabilidade nos mercados e a inquietar economistas, que alertam para riscos crescentes no cumprimento das regras orçamentais da União Europeia. A incerteza prolongada ameaça travar o crescimento, agravar o défice e comprometer a credibilidade financeira do país, enquanto o presidente Emmanuel Macron enfrenta pressões crescentes para convocar eleições antecipadas.

A saída de Lecornu — que renunciou menos de um mês após ter tomado posse — deixou o Executivo francês sem maioria funcional num momento em que as finanças públicas enfrentam uma pressão crescente. A reação dos mercados foi imediata: o spread entre as obrigações do Tesouro francês a dez anos (OATs) e os títulos alemães equivalentes atingiu 86 pontos base, o nível mais elevado desde a queda do governo Barnier no final de 2024.

De acordo com a Goldman Sachs, França registou o maior aumento do risco-país entre as principais economias desde as eleições do ano passado. O valor atual é comparável ao observado em julho de 2012, no auge da crise da dívida da zona euro, sinalizando um nervosismo crescente entre investidores.

Crescimento mais fraco e défice maior, alertam analistas
Num relatório publicado na terça-feira, a Goldman Sachs previu que a incerteza política resultará num crescimento ligeiramente mais fraco e num défice orçamental superior. O economista Simon Freycenet estimou que o défice de 2026 poderá aumentar em 0,1 ponto percentual, enquanto o crescimento do PIB deverá abrandar cerca de 0,2 pontos percentuais.

Apesar de o mercado obrigacionista já refletir parte do risco político, o banco prevê que o spread entre as obrigações francesas e alemãs recue para 70 pontos base até ao final de 2025 — embora advirta que “a persistência da incerteza mantém os riscos inclinados para o lado negativo”.

A economista Charlotte de Montpellier, do ING, sublinhou que “a demissão do primeiro-ministro francês sinaliza riscos orçamentais acrescidos”. De Montpellier alertou que o país poderá entrar em 2026 sem um orçamento aprovado, o que obrigaria à prorrogação automática das contas de 2025 — limitando novas despesas e travando reformas estruturais.

“França está atualmente sujeita a um procedimento por défice excessivo”, lembrou a economista, acrescentando que “a Comissão Europeia deverá adotar uma postura mais rigorosa e insistir na necessidade de restaurar a disciplina das finanças públicas”. Segundo as projeções do ING, o défice poderá manter-se próximo de 5% do PIB em 2026, com a dívida pública a ultrapassar 116% do PIB, enquanto o crescimento económico não deverá ir além de 0,8%, abaixo da média da zona euro.

Macron entre impasse e novas eleições
Os analistas veem dois cenários possíveis para o impasse político: Emmanuel Macron poderá tentar nomear um novo primeiro-ministro e formar um governo estável ou dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições legislativas antecipadas.

Nenhuma das opções oferece garantias. A primeira enfrenta o risco de uma nova maioria frágil; a segunda, a possibilidade de fragmentar ainda mais o cenário político e atrasar decisões orçamentais cruciais.

“Os spreads poderão alargar-se ainda mais enquanto persistirem dúvidas sobre a realização de eleições antecipadas, mas também devido ao aumento dos riscos extremos, como um eventual fim prematuro da presidência de Macron”, explicou Benjamin Schroeder, analista do ING. O especialista estima que, caso essa especulação ganhe força, o spread das OATs a dez anos poderá ultrapassar a marca dos 90 pontos base.

BCE pode ser forçado a intervir
Com o aumento da tensão nos mercados, cresce a atenção sobre o papel do Banco Central Europeu (BCE) e a possibilidade de recurso ao Transmission Protection Instrument (TPI), criado em 2022 para permitir a compra de títulos de países sob “stress injustificado” dos mercados.

Embora França possa não cumprir integralmente os critérios fiscais e de reformas exigidos para a ativação do TPI, Schroeder considera que “o BCE dispõe de margem de manobra e pode intervir se o mercado francês se tornar demasiado volátil e ameaçar as condições financeiras da zona euro”.

“França é demasiado grande e relevante para o BCE ficar de braços cruzados”, afirmou o analista, sublinhando que o banco central poderá agir mesmo que Paris não cumpra formalmente os requisitos do mecanismo.

Euro sob pressão, mas impacto ainda contido
A crise política francesa já se refletiu no mercado cambial. Segundo Michał Jóźwiak, analista da Ebury, “a saga política em França deu uma nova reviravolta”, observando que o euro caiu quase 1% face ao dólar, mesmo com o shutdown do governo norte-americano em curso.

Para o BBVA, o maior risco reside na eventualidade de eleições antecipadas, “o cenário mais prejudicial para o euro no curto e médio prazo”. Francesco Pesole, analista cambial do ING, concorda que “a instabilidade política e fiscal em França poderá reduzir o apetite dos investidores pela moeda única”. Ainda assim, considera que a expectativa de dois cortes de taxas pela Reserva Federal até ao final do ano e uma sazonalidade favorável no quarto trimestre podem sustentar a recuperação do euro para a casa dos 1,20 dólares.

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