A recente incursão militar ucraniana na região de Kursk, em território russo, desmascarou uma rede de corrupção e falhas de segurança que deixou as autoridades russas em pânico. Fontes oficiais, que falaram ao meio de comunicação independente Verstka, confirmam que o comando militar russo foi apanhado de surpresa pela ofensiva ucraniana, expondo graves lacunas na defesa da fronteira e colocando em risco a carreira de vários responsáveis.
“Cabeças vão rolar”, advertiram fontes próximas ao governo, refletindo o clima de medo entre os oficiais que agora se veem no centro da crise.
Desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, medidas defensivas básicas foram implementadas nas regiões fronteiriças. No entanto, segundo um funcionário próximo das autoridades regionais de Kursk, ninguém estava realmente preparado para uma invasão em grande escala do território russo. “Para haver alguns grupos de sabotagem e reconhecimento aqui e ali, claro, mas o que aconteceu [em 6 de agosto] foi uma surpresa. O exército não reportou nada; as primeiras 24 horas foram um caos total”, relatou o funcionário ao Verstka.
Estima-se que entre 6.000 e 12.000 soldados ucranianos tenham entrado na região de Kursk durante a primeira semana da incursão. A resposta inicial das autoridades russas foi minimizar o impacto do ataque, orientando os meios de comunicação pró-Kremlin a destacar a “absurda” falta de benefícios da ofensiva para Kiev. No entanto, a realidade rapidamente desmentiu essa narrativa: a Rússia foi forçada a desviar tropas do fronte ucraniano para defender o seu próprio território, evidenciando o caráter catastrófico da situação.
Um membro do governo russo expressou preocupação ao Verstka, afirmando que “a exportação dos combates para o território russo é catastrófica”. Embora acreditasse que o exército russo “absolutamente não abandonará as suas posições” na Ucrânia, ele admitiu que “simplesmente não há soldados suficientes” para cobrir todas as frentes.
Negligência e Corrupção Sob Investigação
A crise expôs não apenas falhas militares, mas também casos graves de corrupção entre as autoridades locais. Um dos principais alvos das críticas é o ex-governador de Kursk, Roman Starovoit, que, segundo fontes, lucrava com contratos milionários para projetos de defesa que nunca foram concluídos. As mesmas fontes indicam que Starovoit, agora Ministro dos Transportes, está entre os oficiais que mais temem as consequências do fracasso defensivo na região.
Um funcionário do governo de Kursk revelou que Starovoit solicitou reforços ao Ministério da Defesa em 2022, mas que, ao longo do tempo, o envio de tropas e recursos “foi diminuindo”. Isso, segundo a fonte, deveu-se à falta de pessoal, já que a maioria dos soldados estava sendo enviada para o fronte ucraniano. O mesmo funcionário sublinhou que a crise atual expôs a “fraqueza” das defesas na região de Kursk, com fortificações inadequadas e uma fronteira mal protegida, facilitando a entrada das forças ucranianas.
Em outubro de 2022, Starovoit anunciou que duas linhas de defesa reforçadas tinham sido concluídas e que uma terceira estaria finalizada até 5 de novembro do mesmo ano. Contudo, imagens de satélite analisadas por especialistas em OSINT mostraram apenas duas linhas de defesa nos distritos de Korenevsky e Sudzhansky, uma ao longo da fronteira e outra a 5-10 quilómetros de distância. Em janeiro de 2023, Starovoit voltou a mencionar as linhas de defesa em inspeções, mas fontes indicam que o trabalho nunca foi concluído.
De acordo com o canal Telegram VChK-OGPU, que afirma ter informações internas das agências de segurança russas, cerca de 16 mil milhões de rublos (aproximadamente 175 milhões de dólares) foram alocados para a construção das estruturas defensivas sob a administração de Starovoit. No entanto, a obra nunca foi terminada, e o orçamento foi “desviado de forma constante”. Em dezembro de 2023, o Ministério Público Regional de Kursk tentou recuperar mais de dois mil milhões de rublos (22 milhões de dólares) dos empreiteiros envolvidos, mas o caso foi “abafado” e não avançou para julgamento.
Ameaça de Repercussões Graves
A incursão ucraniana e a resposta inadequada das autoridades russas geraram um clima de tensão e medo entre os oficiais. “Todos estão com medo de que cabeças vão rolar e que haverá acusações criminais, mas isso só acontecerá mais tarde, é claro”, disse uma fonte ao Verstka. Este receio é compartilhado por várias figuras do governo, que veem a crise como uma exposição não apenas das falhas do Ministério da Defesa, mas também das administrações locais, como a de Kursk.
O próprio Ministro da Defesa russo, Andrey Belousov, fez referência às falhas no planejamento que permitiram a incursão ucraniana ao ordenar a criação de um Conselho de Coordenação para as questões de segurança nas regiões de Belgorod, Bryansk e Kursk. Belousov exigiu que o novo órgão resolvesse os problemas “sem atrasos” e reportasse informações do terreno “de forma rápida e verídica”.
Um Futuro Incerto
A situação em Kursk, amplamente considerada um reflexo das falhas sistémicas na gestão e defesa das fronteiras russas, continua a evoluir. Enquanto as autoridades tentam mitigar os danos e reforçar as defesas, o espectro de processos criminais e a possibilidade de expurgos internos paira sobre aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para o fiasco. Com a guerra na Ucrânia a entrar num novo e perigoso capítulo, a Rússia enfrenta agora o desafio de proteger as suas próprias fronteiras contra um inimigo que já demonstrou estar disposto e capaz de levar o conflito ao território russo.














