Contaminação, custos de limpeza exorbitantes e cultura de segredo de Estado: legado da corrida nuclear deixa problemas por resolver ainda hoje

Desenvolvimento das armas nucleares trouxe problemas a vários níveis

Francisco Laranjeira
Agosto 2, 2023
7:45

O filme de Christopher Nolan, “Oppenheimer”, concentrou uma nova atenção nos legados do Projeto Manhattan – o programa da II Guerra Mundial para desenvolver armas nucleares. De acordo com William J. Kinsella, professor emérito de Comunicação, da North Carolina State University, nos Estados Unidos, o projeto gerou uma trindade de legados interconectados. Iniciou uma corrida armamentista global que ameaça a sobrevivência da humanidade e do planeta como o conhecemos. Também levou a danos generalizados à saúde pública e ao meio ambiente devido à produção e teste de armas nucleares. E gerou uma cultura de sigilo governamental com consequências políticas preocupantes.

O autor lembrou Hanford, cidade americana menos conhecida do que Los Alamos, no Novo México, onde os cientistas projetaram as primeiras armas atómicas, mas crucial para o Projeto Manhattan. Lá, uma enorme instalação industrial secreta produziu o combustível de plutónio para o teste Trinity, a 16 de julho de 1945, e a bomba que incinerou Nagasaki algumas semanas depois.

Mais tarde, os trabalhadores de Hanford produziram a maior parte do plutónio usado no arsenal nuclear dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. No processo, Hanford tornou-se um dos lugares mais contaminados da Terra, com os custos totais de limpeza a chegar aos 640 mil milhões de dólares: o trabalho não estará concluído nas próximas décadas, se é que alguma vez ficará.

Vítimas de testes nucleares

A produção e os testes de armas nucleares prejudicaram a saúde pública e o meio ambiente de várias maneiras. Um estudo de julho último revelou que a precipitação do teste nuclear Trinity atingiu 46 estados dos EUA e partes do Canadá e do México. Dezenas de famílias que viviam perto do local – muitas delas hispânicas ou indígenas – foram expostas à contaminação radioativa sem saber. Até agora, não foram incluídas no programa federal de compensações.

Os maiores testes acima do solo dos EUA, juntamente com os testes conduzidos debaixo d’água, ocorreram nas ilhas do Pacífico. Enquanto isso, a União Soviética e outras nações conduziam os seus próprios programas de testes. Globalmente, até 2017, as nações com armas nucleares explodiram 528 armas acima do solo ou debaixo d’água e outras 1.528 no subsolo.

Solo e água poluídos

A produção de armas nucleares também expôs muitas pessoas, comunidades e ecossistemas à poluição radiológica e química tóxica. Aqui, Hanford oferece lições preocupantes. A partir de 1944, os trabalhadores irradiaram combustível de urânio em reatores e depois dissolveram-no em ácido para extrair o seu conteúdo de plutónio. Os nove reatores de Hanford, localizados ao longo do rio Columbia para fornecer uma fonte de água de arrefecimento, descarregaram água contaminada com produtos químicos radioativos e perigosos no rio até 1987, quando foi desligado o último reator em operação.

Os resíduos foram armazenados em tanques subterrâneos projetados para durar 25 anos – 68 anos depois da construção do primeiro tanque, essa solução permanece indefinida. O local abriga detritos radioativos que vão desde o lixo médico a reatores de propulsão de submarinos desativados e partes do reator que derreteu parcialmente em Three Mile Island, na Pensilvânia, em 1979. Os defensores de uma limpeza completa de Hanford alertaram que o local se poderá tornar uma “zona de sacrifício nacional”, um lugar abandonado em nome da segurança nacional.

Cultura de sigilo

Como mostra o filme “Oppenheimer”, o Governo encobriu as atividades de armas nucleares desde o início. Claramente, a ciência e a tecnologia dessas armas têm um potencial perigoso e requerem proteção cuidadosa. Aqui, novamente, Hanford fornece um exemplo.

O combustível do reator de Hanford por vezes era reprocessado antes que os seus isótopos altamente radioativos tivessem tempo de decair. Nas décadas de 1940 e 1950, foram libertados intencionalmente gases tóxicos no ar, contaminando quintas e pastagens na direção do vento. Ao rastrear as emissões deliberadas de Hanford, os cientistas aprenderam melhor como detetar e avaliar os testes nucleares soviéticos.

Em meados da década de 1980, os moradores locais começaram a desconfiar de um aparente excesso de doenças e mortes na sua comunidade. Inicialmente, o sigilo estrito – reforçado pela dependência económica da região em relação a Hanford – dificultou a obtenção de informações por parte dos cidadãos preocupados.

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