
Como estará o mundo ao longo do segundo semestre da pandemia da Covid-19?
O primeiro semestre de 2020 ficará para a história como aquele que viu chegar e alastrar a pandemia da Covid-19, que levou grande parte dos países desenvolvidos a criar condições, mais ou menos agressivas, de confinamento generalizado da população.
O tempo de confinamento foi variável de país para país, mas implicou, em quase todos, a paragem abrupta da atividade económica, a quebra da confiança dos consumidores e o um aumento dos programas governamentais de apoio às populações para compensação de parte da perda de rendimento derivada do confinamento.
Os impactos negativos destas medidas ainda persistem nas mais variadas economias. Na China, as vendas a retalho, até ao mês de maio, mostravam quebras de 13,5% vs. o mesmo período do ano anterior, nos EUA, o número de desempregados mantém-se perto de 20 milhões de pessoas, e na Alemanha, a produção industrial registou uma quebra de 36,6%, em abril vs. o ano anterior. O turismo, viagens aéreas e indústria de eventos, são os setores mais afetados por só reabrirem numa fase mais avançada do desconfinamento.
Após as primeiras medidas de confinamento, o mercado financeiro registou uma rápida reação de aversão ao risco com a queda dos mercados acionistas superior a 30%, com o aumentar das yields, em todos os segmentos de obrigações com risco de crédito percecionado, e com a redução da liquidez desse mesmo mercado.
Com a incerteza a marcar os nossos dias, importa aferir que segundo semestre nos espera. O cenário central apresentado pela Sixty Degrees, baseia-se numa recuperação da atividade económica mais lenta do que o esperado em função das várias limitações criadas pela pandemia ainda em curso.
“Enquanto vigorarem as restrições, com destaque para a limitação relativa à concentração de pessoas, existe um efeito de quebra de confiança que tenderá a retrair o consumo e o investimento por aumento da incerteza quanto ao futuro”, reforçam os analistas.
Associado a este fenómeno, que vai desde a perda de rendimento e emprego ao acentuar de divergências económicas na sociedade, poderemos vir a assistir ao aumento das tensões geopolíticas e sociais, em vários pontos do mundo, que poderão trazer novos episódios de aversão ao risco, nos mercados financeiros.
Assistiremos ainda, neste semestre, às eleições presidenciais norte-americanas, que se adivinham muito disputadas e provavelmente marcadas por mais instabilidade social, em resultado das dificuldades económicas e da enorme clivagem entre o eleitorado democrata e republicano. O resultado das eleições não será, com certeza, indiferente para os mercados financeiros, em especial os acionistas.
Na opinião da consultora, o desenvolvimento deste cenário base refletir-se-à numa performance modesta para os vários ativos financeiros, associada a um nível de volatilidade elevado.
“Ainda assim, as principais classes de ativos, em especial as ações, terão potencial para uma performance ligeiramente positiva pois, em caso de declínio acentuado do preço dos ativos e potencial efeito sistémico de uma queda abrupta, assistiremos ao reforço dos estímulos financeiros por parte dos Bancos Centrais de todo o mundo”, detalha.
Por cada ronda adicional de estímulos, os efeitos positivos serão cada vez menores, mas poderão sustentar ainda a performance dos ativos, neste semestre, caso a deterioração económica não se acentue.
Ao mesmo tempo, a reação do mercado acionista irá também depender da capacidade e da velocidade das empresas em voltarem ao seu pico de resultados por ação. Por outro lado, ao nível da renda fixa, a consultora recorda que a atual yield da dívida pública europeia está em níveis bastante reduzidos e que o retorno esperado poderá não compensar o risco da sua detenção.
Para onde vai o ‘Velho Continente’
Particularmente sobre a Europa, com os enormes desafios estruturais que tem pela frente, a Sixty Degrees antevê que a economia da Zona Euro deverá registar uma queda acentuada, na ordem dos 2 dígitos, em 2020. A recuperação deverá ser lenta e o PIB só deverá conseguir regressar ao nível pré epidemia em 2023. Tendo em conta o forte recuo da atividade económica, uma das principais preocupações prende-se com a evolução do desemprego.
O impacto da atual crise nas cadeias de oferta, aliado à implementação de estímulos do lado da procura poderá trazer riscos de estagflação no futuro.
O BCE tem atuado fortemente, implementando compras de ativos numa escala sem precedentes. Será expectável que o Banco Central volte a rever em alta o montante do PEPP – Pandemic Emergency Purchase Programme para um valor próximo dos 2 biliões de euros.
O cenário central da consultora para a Europa pressupõe uma reabertura continuada das principais economias, com as autoridades a reagirem especificamente aquando do surgimento de surtos localizados. É disso exemplo a reintrodução de confinamento obrigatório na Renânia do Norte-Vestefália , Alemanha, na sequência de um surto viral numa fábrica de processamento de carnes.
A economia alemã poderá vir a sofrer menos que as restantes, registando uma recessão de um dígito, em 2020. A epidemia revelou-se mais moderada, permitindo ao país implementar um confinamento menos estrito e uma reabertura mais rápida. De destacar a eficácia do programa de layoff, Kurzabeit, o qual ajudou na proteção do emprego e rendimento das famílias. A Alemanha deverá também aproveitar o facto de ter uma capacidade de gastos orçamentais superior.
No que respeita ao Reino Unido, a economia britânica foi fortemente afetada pelo surgimento da pandemia e não é expectável que recupere para o nível anterior antes do final de 2022. As autoridades reagiram tardiamente, permitindo a maior propagação do vírus e, mais recentemente, exigindo um levantamento mais gradual do confinamento.
Por outro lado, a resposta em termos monetários e fiscais foi efetiva. O agregado M4 registou uma subida equivalente a 8% do PIB trimestral nos meses de março e abril. O programa do governo para layoffs, CJRS – Coronavirus Job Retention Scheme, proporcionou o pagamento de 80% dos salários e teve a adesão de um quarto do emprego total.
As principais dificuldades futuras prendem-se com a evolução do desemprego quando o CJRS terminar e com a fraqueza previsível ao nível da despesa das famílias e do investimento. A incerteza relativamente ao acordo Brexit também poderá prejudicar o comércio internacional no curto prazo.
Relativamente à atuação do Banco de Inglaterra considera pouco provável que venha a implementar taxas de juro negativas, mas esperamos que mantenha os atuais níveis de 0,10%, facilite o acesso dos bancos ao Term Funding Scheme e anuncie um novo programa de QE no valor de 50-60 mil milhões de libras, no Outono.
O gigante asiático
No que respeita à economia chinesa, importa referir a recuperação em curso, que deverá sustentar-se até ao final do ano, com o governo a intensificar os esforços nesse sentido. No segundo trimestre, o ritmo de recuperação foi acima do esperado, especialmente no setor manufatureiro. O apoio do Banco Popular da China tem sido importante e permitiu a aceleração do M2 para níveis record de 3 anos. É expectável que o Banco Central venha a estabelecer novas reduções ao nível das exigências de reservas e anunciar mais medidas de apoio direto ao crédito às empresas.
No que se refere ao Japão, a economia deverá encetar uma retoma no segundo semestre, após 3 trimestres consecutivos de contração. Ainda assim o efeito do surto pandémico não foi tão nefasto como noutras geografias já que o estado de emergência teve caráter voluntário, sem imposição de confinamento rigoroso. A economia continua a apresentar fraqueza e a taxa de desemprego, que até então tem estado contida, deverá disparar. A resposta em termos de estímulos fiscais e monetários foi agressiva. O Banco do Japão aumentou o ritmo de compras de ativos, provocando um crescimento da moeda a uma taxa record das últimas décadas.
Cenário Adverso: Segunda vaga da epidemia
Existe uma forte possibilidade, especialmente durante a época de Inverno no hemisfério Norte, da reimposição de medidas generalizadas de confinamento, com implicações sobre a densidade populacional em espaços fechados e o funcionamento de equipamentos públicos. Neste cenário, a consultora salienta que esta decisão poderá resultar do surgimento de uma muito forte segunda vaga epidemiológica, de receios baseados em poucos casos ou nalguma experiência menos bem-sucedida, num país específico.
“Nesta situação, a recuperação económica será ainda mais lenta com quebras mais fortes e profundas em alguns momentos. A confiança será fortemente abalada” ressalvam os analistas.
Os mercados financeiros sofrerão de imediato uma rápida correção dos valores atuais e a atuação dos Governos e Bancos Centrais será posta em causa por se materializar através de mecanismos que não lograram grande sucesso no passado recente. A contestação social deverá aumentar em número de incidentes e de intensidade.
Caso se materialize, será necessário um rápido reposicionamento dos investimentos, assumindo uma composição da carteira com ativos de elevada liquidez. Apesar da intervenção dos respetivos bancos centrais, deverá existir especial cuidado na detenção de dívida soberana europeia e japonesa, em função da sua frágil liquidez e do aumento do risco de contraparte.
Em ambos os cenários, as empresas tecnológicas, com uma base de trabalho e vendas digitais, serão as líderes em termos de performance, pois a sua estrutura de custos, e a sua capacidade de inovação e adaptação estão melhor preparadas para lidar com os desafios que se avizinham versus as empresas com estruturas físicas pesadas, muitos empregados e pouca flexibilidade, muito dependentes de não voltarem a sentir uma nova quebra pronunciada das vendas. Destaque especial para as empresas de telemedicina, e-commerce, videoconferências e Fintech.
Em relação a movimentos cambiais, o dólar americano continua a ser a moeda de refúgio, bem como a moeda de financiamento da maioria dos países e entidades a nível mundial, pelo que a procura base estará assegurada. Poderão existir movimentos fortes e de elevada volatilidade, especialmente se tivermos em conta a incerteza em torno do resultado das eleições norte-americanas, à medida que a data das mesmas se aproxima, e/ou em caso de aumento significativo da probabilidade do cenário adverso vir a tornar-se realidade.