Por: Mark Sullivan, Fast Company
A Google construiu um grande negócio a vender anúncios que aparecem nos resultados de pesquisa: no seu relatório 10-K de 2024 apresentado à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos da América (EUA), a empresa reportou cerca de 175 mil milhões de euros em “Pesquisa Google e outros”, o seu maior segmento de lucro e mais de metade da receita total da sua empresa-mãe Alphabet. Mas a pesquisa sofreu uma mudança fundamental no acesso à informação da web com a ajuda de poderosos modelos de IA, e ainda ninguém encontrou um modelo vencedor para colocar anúncios à volta dos resultados da pesquisa de IA.
Ao mesmo tempo, os novos modelos de IA generativa podem agora lidar com grande parte dos esforços cognitivos que os utilizadores normalmente despendem para chegar ao conteúdo da web pretendido — e fazem-no mais rapidamente. Esta mudança foi evidente nos produtos e funcionalidades de pesquisa que a Google revelou no recente evento para programadores I/O, muitos dos quais são alimentados por esta mesma capacidade de raciocínio. A Fast Company falou com Liz Reid, directora de Pesquisa da Google, e Nick Fox, vice-presidente sénior de Produtos de Conhecimento e Informação, sobre a forma como a empresa enfrenta esta mudança sísmica. Esta entrevista foi editada por motivos de extensão e clareza.
Qual é a vossa opinião sobre o rumo que a pesquisa está a tomar?
Nick Fox (NF): O que [a IA] significa para a pesquisa é provavelmente a maior mudança de sempre na pesquisa. Estamos a falar de uma mudança da recuperação de informação básica para a inteligência. Estes modelos permitem uma compreensão muito mais profunda da informação e da capacidade de a transformar. Se recuarmos um ano, algumas destas coisas eram apenas teoria.
Liz Reid (LR): Uma das coisas interessantes do Modo IA é que, apesar de ser a nossa pesquisa de IA de ponta, também oferece um vislumbre do que pensamos poder estar mais amplamente disponível. A nossa convicção actual é que vamos pegar nas coisas que funcionam bem no Modo IA e trazê-las directamente para o centro da pesquisa e do AI Overviews. Começámos a fazer isto com tecnologias como a dispersão de consultas [em que a IA pede uma série de fontes de informação relacionadas com a pesquisa do utilizador], para o utilizador poder fazer qualquer pergunta na caixa de pesquisa. Quando pensamos no futuro da pesquisa, consideramos algumas áreas diferentes.
A IA pode ser o motor mais poderoso para a descoberta, porque a capacidade de especificar o que se pretende significa que podemos ligar o utilizador a uma página de um nicho realmente interessante ou a um artista que tem algo diferente para dizer e que lhe interessa. Pensamos que isto pode acabar por transformar a web e a capacidade das pessoas de se ligarem.
A tecnologia LLM permite a multimodalidade tanto nos contributos como nos resultados. Os seres humanos comunicam de diferentes formas — conversando, olhando para imagens, vendo coisas à nossa frente. É assim que gostamos de falar, de descrever as nossas necessidades e de compreender. A IA permite-nos dizer como gostaríamos realmente de consumir esta informação e torna isso possível.
O que significa a introdução de agentes da razão para a pesquisa?
LR: A [Google] tem pensado no trabalho agêntico há algum tempo, mas muitas vezes isso tem sido limitado pelas integrações de API. O objectivo é fazer com que a pesquisa recolha informações, as reúna e facilite a tomada de medidas relativamente às suas necessidades de informação. Isto será realmente emocionante. Estamos a começar por trazer muitas das tecnologias do Project Mariner (agente de IA) para a pesquisa. Isto era algo de que já era fácil falar, mas agora parece que vai ser realmente possível. Está relacionado com o novo raciocínio dos LLM e com a capacidade da ferramenta de realizar tarefas, em vez de se limitar a procurar uma informação estática.
Ao pensar na pesquisa tradicional com os “10 links azuis”, o meu cérebro fazia o trabalho de descobrir em que link clicar e processar toda a informação. Parece que com a nova abordagem da IA, a IA faz algum desse trabalho mental por mim.
NF: Embora muita da narrativa por aí seja “a IA ou a web”, nós não a vemos como IA ou web, mas sim como ambas em conjunto, construindo uma experiência holística. Uma grande parte disso é exactamente o que disse, ou seja, a IA pode ajudar a contextualizar a web. A IA pode ajudar a organizar, a contextualizar e a apresentar algumas das partes mais simples, para depois irmos mais fundo, muitas vezes numa webpage.
Robby Stein, vice-presidente de Produtos de Pesquisa, mencionou o facto de o Modo IA ter permissão para consultar o histórico de pesquisa, o Gmail e outros serviços Google para personalizar os resultados da pesquisa. Quais são as preocupações em termos de privacidade relativamente ao acesso a esse tipo de dados?
LR: Um factor fundamental é que se trata verdadeiramente de uma opção; queremos que as pessoas decidam activamente que o querem fazer. Estamos a começar com mensagens e recomendações comerciais. Não se trata de personalizar algo como uma resposta médica com base no conteúdo do email, mas de utilizar informações como o tipo de marcas que gosta de comprar para facilitar as consultas de compras, ou o tipo de restaurantes onde encomenda comida para recomendar locais num novo país. Vamos começar no Labs (para produtos experimentais) para ver qual é o feedback e concentrarmo-nos em espaços de recomendação onde há um número avassalador de escolhas e pode ser difícil expressar o que queremos, especificar o nosso gosto.
NF: A minha própria utilização tem sido muito útil para recomendações, principalmente recomendações de restaurantes baseadas em confirmações do OpenTable no Gmail. A pesquisa já compreende parte disto, mas a noção de qual o restaurante de que realmente gostei é uma informação particularmente útil.
LR: A nossa pesquisa UX demonstra que as pessoas têm opiniões muito diferentes. Algumas pessoas não o querem mesmo, o que apoia a opção de inclusão. Mas muitos dos utilizadores mais jovens esperam que as aplicações sejam muito personalizadas e assumem que já fazemos muita personalização na pesquisa. Para alguns utilizadores, não correspondemos às suas expectativas nesse espaço, pelo que deveríamos fazer mais. Outros podem simplesmente nunca o querer, e não há nenhum problema nisso.
É como se tivéssemos de ter uma noção do zeitgeist em torno das expectativas da privacidade, e é uma questão geracional. Penso sempre no assunto de uma forma transaccional: teria todo o gosto em expor as minhas informações se o retorno fosse óbvio e se ganhassem e mantivessem a minha confiança e não começassem a fazer algo com os meus dados que eu não sabia que iriam fazer.
NF: Sim, o valor para o utilizador tem de ser muito elevado. Acreditamos que pode ser e será, mas é isso que aprenderemos com os nossos utilizadores. Tem de se basear na existência de um valor verdadeiramente atractivo para o utilizador ao obter recomendações altamente personalizadas e relevan-
tes para as coisas que as pessoas realmente procuram.
Construíram este enorme negócio com base na apresentação de anúncios de pesquisa às pessoas e agora falamos desta mudança fundamental na forma como fazemos pesquisa. O vosso pensamento sobre a maneira como vão rentabilizar a pesquisa com IA evoluiu à medida que foram aprendendo mais sobre o que é e como as pessoas a utilizam?
LR: Continuamos a ver que uma classe crítica de informação é a informação comercial, onde as pessoas ainda fazem frequentemente escolhas [de produtos]. Por isso, ainda há uma grande oportunidade para os anúncios. A IA expande o que é possível. As pessoas estão a fazer mais perguntas, por vezes mais específicas. Estão a dizer mais sobre a intenção, o que nos permite fazer anúncios mais úteis; não estamos apenas a adivinhar, podemos ser mais explícitos. Trata-se de uma verdadeira oportunidade [para a Google] do ponto de vista comercial, com mais oportunidades.
Também é muito importante para [as empresas] que existam estas oportunidades de anúncios. Se formos um pequeno comerciante, muitas vezes a única forma de nos destacarmos é através dos anúncios. Caso contrário, limita-se a cimentar as marcas que todos conhecem. É assim que as novas marcas surgem e os novos comerciantes se destacam, anunciando a pessoas que procuram algo que não conhecem pelo nome. Se as pessoas forem mais específicas em relação ao que pretendem, haverá mais espaço para os pequenos comerciantes aparecerem e satisfazerem necessidades específicas.
NF: O que eu acrescentaria é que a marca da nossa abordagem à publicidade e à pesquisa tem sido mostrar anúncios quando são relevantes e altamente úteis para o utilizador, e mostrar muito poucos ou nenhuns anúncios quando são irrelevantes ou a consulta não seria benéfica. Estou à procura de um presente para o Dia da Mãe ou de ideias para presentes, o que pode ser complicado. Ter uma resposta de IA que dê ideias e, em seguida, anúncios que forneçam locais específicos para as comprar, é extremamente útil. Uma vez que temos um conhecimento básico sobre como rentabilizar e apresentar ou não anúncios numa página de resultados de pesquisa, conseguimos fazer as coisas como deve ser e responder ao que o utilizador procura, ao mesmo tempo que criamos oportunidades para os anunciantes e impulsionamos o negócio.
Têm falado com as marcas? Elas estão a olhar para este novo modo de descoberta e a pensar no que precisam de fazer para optimizar a visibilidade e a capacidade de pesquisa na pesquisa de IA?
NF: O ecossistema está a descobrir; estamos todos a descobrir isto juntos. Historicamente, tudo tem a ver com cliques — alguém pesquisa, será que recebo um clique? Isso vai continuar a ser importante para as conversões. Mas há uma parte adicional: as próprias marcas querem ter visibilidade nessa experiência, mesmo que não sejam o local onde o utilizador vai fazer a compra. A impressão ou a menção tem valor, algo em que, historicamente, a pesquisa não se tem concentrado tanto. É algo de que vamos falar com os anunciantes e as empresas.
É interessante que o número total de pesquisas esteja a aumentar com a introdução da pesquisa com IA.
NF: Há 25 anos que se diz que a web está a morrer ou algo do género. O que é interessante é que, se olharmos para os dados, a web está a prosperar. Recentemente, analisámos dados, e o monitorizador do Google, que monitoriza grande parte da web, está a ver muito mais conteúdo do que nunca. Os nossos monitorizadores estão a ver mais 45% de conteúdo este ano — em Abril em comparação com Abril de há dois anos. Está a ser criado mais conteúdo, estão a ser registados mais domínios e os dados de terceiros mostram que as visitas à web estão a aumentar ao longo do tempo. Liz falou sobre o facto de a IA ser um motor de descoberta; a descoberta também leva à criação. A Google é uma empresa optimista que se preocupa muito com a web. Acreditamos verdadeiramente que este será um momento de expansão para a internet e para a web, e os dados parecem indicar essa realidade.
Talvez estejam apenas a tornar a pesquisa e as compras um pouco mais divertidas.
LR: É verdade que se reduzirmos o trabalho e o esforço, as pessoas pesquisam mais. As pessoas têm um tempo limitado e, se for mais fácil, se parecer uma alegria e se não tivermos de fazer as partes difíceis, mas pudermos fazer as partes divertidas, as pessoas fá-lo-ão mais vezes. Vimos isso repetidamente, desde a web em geral até imagens, ao Lens e ao AI Overviews. Diminua a dificuldade, torne-a mais agradável com a resposta que obtém, e as pessoas farão mais porque vale a pena o seu tempo.














