China está a ‘açambarcar’ e a acumular cobre. Analistas alertam para possível “golpe de Estado” nas cadeias de fornecimento

A acumulação de cobre por parte da China pode ter profundas implicações estratégicas.

Pedro Gonçalves
Maio 28, 2024
16:31

Em 2022, surgiram indícios de que a China estava a acumular cobre em grandes quantidades, alimentando especulações de que o país poderia estar a preparar-se para algum evento significativo. À medida que os preços do cobre continuam a subir nos mercados ocidentais, devido aos receios de escassez numa era dominada pela transição energética, o “gigante” chinês tem aumentado os seus inventários numa época do ano em que normalmente estes diminuem. Esta persistência tem gerado teorias sobre uma possível estratégia de Pequim para assegurar uma vantagem nas cadeias de fornecimento globais de materiais essenciais para a “era verde”.

O analista de mercados Andreas Steno Larsen, antigo estratega da Nordea, descreve ao El Economista esta movimentação como uma “tomada de poder” nas cadeias de fornecimento globais. “Os nossos gráficos sobre os níveis de inventários de cobre na China têm circulado nas últimas semanas, e atribuímos principalmente o aumento dos níveis de inventários a um plano de compra estratégica por parte das autoridades”, afirmou Larsen num dos seus relatórios recentes.

Os inventários de cobre registados na Bolsa de Futuros de Xangai (ShFE) ascendiam a 291.020 toneladas no final da semana iniciada a 13 de maio, comparadas com as 105.900 toneladas na Bolsa de Londres (LME) e as 18.244 toneladas na Bolsa Mercantil de Chicago (CME), segundo dados publicados pela Reuters. Em toda a China, os inventários superaram as 500.000 toneladas em semanas recentes, muito acima da média estacional de 300.000 toneladas, gerando preocupação no mercado e incerteza nos preços.

Larsen propõe várias hipóteses para este acumular de cobre. A primeira é a de que a China está a preparar-se para uma eventual desvalorização do iene, o que facilitaria as exportações chinesas e encareceria as importações. Uma nova desvalorização da moeda é uma possibilidade considerada por muitos analistas, especialmente com o aumento da tensão comercial com os Estados Unidos. “Uma desvalorização poderia incentivar a procura externa e, indiretamente, também a produção interna”, explicou Pedro del Pozo, diretor de investimentos financeiros da Mutualidad.

Outra hipótese é a de uma revisão significativa da rede elétrica que justificasse esta acumulação de cobre. A terceira hipótese é um “Golpe de Estado” ou “tomada de poder” global nas cadeias de fornecimento de veículos elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, setores já dominados pela China. “Uma combinação das hipóteses da desvalorização do yuan e da tomada de poder nas cadeias de fornecimento parece agora a mais provável”, observa Larsen.

A acumulação de cobre por parte da China pode ter profundas implicações estratégicas. Em abril, um artigo no jornal britânico The Telegraph alertava para o risco que este comportamento representa para a transição energética no Ocidente. Um maior controlo de Pequim sobre o cobre poderia ser uma “arma” em negociações futuras. “A China possui a maior parte do cobre necessário para a transição verde”, afirmou Kieran Tompkins, economista de matérias-primas da Capital Economics.

Este comportamento aumenta a tensão entre o Ocidente e Pequim. Os analistas destacam a importância da escala das reservas da China e das suas motivações. “Não podemos dizer com certeza se a China tem estado a acumular existências, porque realmente não temos uma ideia exata do volume de inventários de cobre que possuem”, afirmou Tompkins. “Mas o que podemos dizer é que a China se consolidou como um produtor muito dominante de cobre refinado”.

Os dados de comércio internacional revelam parte desta possível estratégia: enquanto as importações gerais se mantêm instáveis, a China continua a comprar mais materiais necessários para produzir cobre refinado. Em 2023, o aumento da produção mundial de cobre refinado deveu-se exclusivamente à China. As fundições de cobre do país estão em constante expansão, mantendo a produção em níveis quase recorde, desafiando a escassez de matérias-primas.

A abundância de sucata de cobre reflete-se no seu desconto em relação ao cobre refinado, com o setor de fundição a aumentar a capacidade. “A China tem impulsionado a produção interna de cobre, atingindo níveis recorde ano após ano”, afirmou Ewa Manthey, analista da ING.

Apesar de o mercado imobiliário chinês estar em declínio, a produção de cobre continua a aumentar, resultando num aumento dos stocks de cobre refinado. Os setores de tecnologia limpa e fabrico avançado, com a segurança nacional como pilar, estão a substituir o investimento imobiliário como motor económico da China. “O cobre, devido ao seu papel crescente na eletrificação e digitalização da economia, permanece uma exceção”, explicou Tuan Duong Nguyen, analista da Société Générale.

Enquanto os inventários de cobre aumentam globalmente, os analistas da BCA Research acreditam que as elevadas existências na China podem moderar os preços. “Há uma discrepância nos inventários entre as bolsas: aumentaram em Xangai, mantiveram-se moderados em Londres e estão a contrair-se em Nova Iorque”, observam.

A acumulação de cobre pela China, portanto, é um sinal claro de uma estratégia deliberada que poderá ter um impacto significativo nas cadeias de fornecimento globais e na transição energética mundial.

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