Porto Business School: Temos os Políticos que merecemos

POR: João Domingos, Senior Vice President da Fujitsu

Os acontecimentos nacionais e internacionais das últimas semanas puseram à prova os nossos valores. Testaram as lideranças das empresas onde trabalhamos, dos países onde nascemos ou onde escolhemos viver e de certa forma a nossa própria forma de viver.

Em tempos de crise, não consigo deixar de olhar para os líderes que nos governam e questionar-me: Como é que chegámos aqui?

Já perdi a conta ao número de vezes que ouvi pessoas a queixarem-se dos políticos. “São todos corruptos.” “Não querem saber de nós.” “Como é que chegámos ao ponto de ter estas pessoas no poder?” E sempre que ouço isso, lembro-me de algo que o George Carlin disse uma vez: Lixo entra, lixo sai.

Carlin, no seu estilo directo e brilhante, mostrava-nos que os políticos não vêm de outra dimensão. Eles vêm de nós. Crescem nos nossos bairros, frequentam as nossas escolas e absorvem a mesma cultura que todos nós ajudamos a construir. Se os políticos são incompetentes, desonestos ou oportunistas, talvez – só talvez – isso diga algo sobre a sociedade que os produziu.

É sempre mais fácil olhar para os problemas como algo externo a nós próprios e neste caso acreditar que a classe política é uma anomalia, que são especialmente corruptos, enquanto o resto de nós não somos mais que vítimas inocentes. Mas neste tema estou com George Carlin, a política é um reflexo da sociedade, não uma entidade separada dela. As pessoas que fogem aos impostos, que tomam atalhos na sua vida profissional ou que ignoram condutas antiéticas nas suas empresas são as mesmas que votam, governam e moldam as políticas públicas.

Pensem nas qualidades e comportamentos que diariamente compensamos, seja no mundo dos negócios, no entretenimento ou na vida quotidiana. Admiramos confiança, mesmo quando se aproxima da arrogância. Celebramos a esperteza, mesmo quando se torna manipulação. Toleramos a mentira quando serve os nossos interesses. Então, devemos mesmo ficar surpreendidos quando as pessoas que chegam ao poder incorporam exactamente essas características?

Claro que é mais fácil culpar os políticos do que olhar para dentro. A culpa é sempre deles. Mas quem os elege? Quem permite que outros escolham por nós, não indo votar? Quem fecha os olhos quando mentem? Quem continua a reelegê-los, mesmo depois de falharem? Somos nós. E não se trata apenas de votar. Trata-se da cultura que criamos. Quando a integridade é vista como ingenuidade, quando a ambição implacável é mais valorizada do que a honestidade, quando a verdade é menos importante do que “ganhar”, que tipo de líderes esperamos que surjam?

E não pense que estou apenas a falar de política, estou a falar do que dizemos e aceitamos dos nossos filhos, dos comportamentos e da forma como estes se relacionam com adultos e professores. Estou a falar de como tratamos, amigos e colegas de trabalho, mas também estranhos no trânsito ou numa fila de supermercado. Não sou moralista, nem perfeito e erro tanto como qualquer outra pessoa, mas fazer a diferença está apenas e só em nós próprios.

Mas aqui está a boa notícia: da mesma forma que maus líderes emergem de sociedades complacentes, grandes líderes podem surgir de sociedades que exigem algo melhor. A história está cheia de exemplos de pessoas que assumiram a liderança quando as suas comunidades recusaram aceitar o status quo.

Pensem em Václav Havel, na Checoslováquia – um artista e dramaturgo que se tornou a voz de um povo que ansiava por liberdade. A sua liderança não nasceu da ambição política, mas sim do desejo de uma sociedade que já não aceitava a opressão.

Ou em Nelson Mandela, que passou 27 anos na prisão por lutar contra o apartheid. Quando a África do Sul estava verdadeiramente pronta para mudar, Mandela estava lá, porque as sociedades em transformação chamam os líderes de que precisam.

Mesmo nos últimos anos, movimentos em todo o mundo trouxeram novas vozes para o poder – activistas, reformadores, outsiders que, num sistema desenhado para manter o mesmo de sempre, nunca teriam tido uma oportunidade.

E esta é a verdadeira lição: sociedades que querem genuinamente mudar vão produzir os líderes que podem concretizar essa mudança. Mas essa mudança tem de começar connosco. Tem de começar na forma como falamos sobre integridade, na forma como responsabilizamos os líderes e na forma como recusamos aceitar apenas discursos vazios.

Maus políticos não são uma anomalia. São um sintoma. Mas o mesmo se aplica aos grandes líderes. Quando as pessoas exigem algo melhor, alguém sempre se levanta para responder ao desafio.

E isso significa que o futuro não está escrito. A questão não é se uma boa liderança é possível. A questão é: Queremos mesmo isso? Porque se quisermos, se realmente quisermos, esses líderes irão aparecer. Sempre aparecem.

Este artigo faz parte da edição de Maio (n.º 230) da Executive Digest.