Entrevista a José Crespo de Carvalho: «Parar é comprometer o resultado»
Quem o não fizer será, pós-pandemia, encontrado sem preparação e sem condições de atractividade para o mercado de trabalho. Mais ainda um mercado de trabalho enfraquecido, com menos renda disponível, com um mercado causticado, com sectores desfeitos e, ainda bem, com outros mais pujantes. Em entrevista à Executive Digest, José Crespo de Carvalho, Presidente do Iscte Executive Education, explica porque o processo de transformação não deve parar. Deve antes adaptar-se.
Como se estão a dar no vosso produto “estrela” com as adaptações por via da pandemia, i.e., o vosso Executive MBA?
A pandemia veio trazer necessariamente dificuldades acrescidas ao nosso Executive MBA. Não foi o único programa, verdade. Mas na verdade, também, o Executive MBA não é só um programa, é um processo de transformação global. Também por isso é natural que as dificuldades sejam maiores. Mas deixe-me recuar um pouco e enquadrar a resposta para que perceba o que lhe pretendo dizer. Já respondo à questão.
Em primeiríssimo lugar esta é ou deve ser, para todos, uma época de investimento em formação. Sem quaisquer dúvidas. Quem o não fizer será, pós-pandemia, encontrado sem preparação e sem condições de atractividade para o mercado de trabalho. Mais ainda um mercado de trabalho enfraquecido, com menos renda disponível, com um mercado causticado, com sectores desfeitos e, ainda bem, com outros mais pujantes. Precisamente por isso, e porque uma boa parte de participantes assim pensa, o processo de transformação não deve parar, deve antes adaptar-se.
Sob o ponto de vista das condições técnicas para operar foram feitos inúmeros esforços que permitiram certificar salas e edifício com selo COVID-OUT do ISQ, permitiram ampliar salas, criar condições para aulas presenciais, para aulas mistas (participantes presentes e participantes em remoto) e para aulas totalmente on-line síncronas. Desde salas intervencionadas, a mobiliário individual e a câmaras e speaker-phones tudo foi instalado de modo a conseguir ter condições de funcionamento que permitam manter condições boas de execução.
Depois, foi desenvolvida uma biblioteca de conteúdos digitais, filmes e readings, que permitem enobrecer a experiência pedagógica deste processo de transformação. Finalmente, o uso recorrente de desafios, desde cold calls a pitchs preparados faz com que os participantes tenham efectivamente de se adaptar a uma cultura diferente e a um processo diferente, embora não menos exigente.
Não se pode perder nunca a ideia de que qualquer processo de transformação como o de um Executive MBA não pode ser parado. Sob pena de se perder o que se iria ganhar nos participantes: capacidade de decisão, leitura rápida e captação dos principais tópicos para decisão, skills de liderança, conteúdos e instrumentos de rápida aplicação, autonomia, muita autonomia. Os participantes terão de se sentir transformados caso contrário o processo não lhes serviu.
Portanto, para nós tem sido muito importante, e foi decisivo desde a primeira hora, que os participantes terminem os seus programas a tempo e que, mesmo se com uma experiência ligeiramente diferente do previsto, possam estar preparados para o mercado de trabalho e para tudo o que os espera em termos de ajuda à economia e para reerguerem as empresas nas quais se inserem ou vão inserir.
Se estes participantes têm uma experiência diferente é também bom dizer que essa experiência torna-os mais ricos e mais resilientes e sobretudo mais capazes de se adaptarem a condições adversas extremas. Essa é uma das vantagens da pandemia. Preparar em condições adversas.
Portanto, responder à sua questão passa por dizer que sim, estamos a dar continuidade ao processo de transformação que pressupõe um Executive MBA muito embora com características adaptadas às circunstâncias. Nunca descurando a necessária formação que estes participantes devem ter à saída. Formação em conteúdos e preparação para uma autonomia e capacidade decisionais bem diferentes. Pretendem-se líderes com todas as capacidades trabalhadas.
E nos demais produtos, de pós-graduações a executive masters, de programas advanced a applied, e mesmo o vosso Mestrado em Gestão Aplicada como estão a sentir as transformações impostas pela pandemia? E já agora como as sentem nos programas desenhados especificamente para empresas?
Tenho de voltar atrás no sentido de sublinhar novamente que em processos formativos, uns mais intensos, transformacionais e abrangentes que outros, não se deve parar nada. Devemos adaptar-nos às circunstâncias.
Parar é comprometer o resultado. As pessoas, nossos participantes, têm o objectivo de serem melhores, mais capazes, mais bem preparados, de se sentirem mais confortáveis na decisão, de serem capazes de se tornar mais conhecedores e autónomos pelo que parar não é a ordem do dia. É transformar, é adaptar, é pedir esforço e abnegação.
Considero que estamos todos, escola, participantes e docentes, a fazer um esforço enorme para conseguirmos que, no final de cada programa e proposta formativa, o potencial humano esteja lá e mais trabalhado e mais preparado para o que aí vem. E vem com muita força e com grande disrupção para muitos. Sabermos que preparámos estes participantes para saberem, no futuro, lidar com dimensões e variáveis diferentes e que irão ter impacto no mercado de trabalho é para nós fundamental.
Portanto, todos os programas estão em transformação e adaptação. E os próprios participantes idem. Ou seja, se não é a mesma coisa formar em contexto presencial e em contexto online, ou híbrido, a responsabilidade pelos resultados é em ambos os casos alta, altíssima.
Veja-se por exemplo os resultados fantásticos que estamos a obter em programas corporate, nomeadamente para alguma banca e para sectores como o automóvel, transportes, farmacêuticas ou ópticas, por exemplo, programas estes fechados e customizados para a realidade de cada um, onde temos conseguido uma participação e um entusiasmo, mesmo online, que superam claramente as expectativas de partida. Neste caso estamos a conseguir mesmo entregar um valor com que as empresas não contavam e recorrendo ao formato online. É uma boa surpresa para as empresas mas é também uma belíssima prova de que somos capazes de fazer muito e muito bem online.
Sei que têm estado a inovar a outros níveis. Pode desvendar-nos um pouco dessa inovação?
Temos estado a inovar em produtos e formatos. Muito com aproximações agile. Concepção, teste de mercado e, se funciona, deixamos estar. Se o mercado não adere retiramos e partimos rapidamente para outras propostas. Temos que considerar que existem sempre sunk costs neste processo mas e desde quando não os há adoptando outras posturas? Preferimos ser rápidos e estarmos mais ou menos certos a ser lentos no processo de inovação de produto e formato.
Adicionalmente, como referido, estamos a investir numa plataforma de conteúdos on-line com inúmeros filmes, podcasts e readings que tornam o processo formativo bem mais adaptado ao on-line. E que são um belíssimo complemento à formação mais convencional de sala de aula onde a interação é natural. Com recursos pedagógicos extra estamos a conseguir motivar participantes e a criar vários desafios associados a esses conteúdos. Esses desafios são a melhor forma de procurarmos que os participantes se superem.
Depois, a inovação vem também da nossa migração para Hubspot. Migração total. Neste momento temos métricas de todo o nosso site e temos processos de marketing e comerciais completamente alterados para uma outra dimensão. Trabalhar sem dados é substancialmente diferente de trabalhar com informação. Como digo aos meus alunos muitas vezes, deixámos o smell oriented management.
Finalmente, muito importante o processo de internacionalização que estamos a levar a cabo. Esse sim tem sofrido bastante com a pandemia mas a nossa presença neste momento está nos EUA, na Europa de Leste, na Índia, na China e no Brasil. Para além do investimento que temos em Moçambique. E queremos, naturalmente, tirar partido da internacionalização e consideramos que temos armas fundamentais para competir lá fora. E alguns resultados que temos tido, apesar de interrompidos em parte pela pandemia, deixam adivinhar condições muito interessantes em algumas geografias.
Quais são as expectativas para os próximos tempos?
Espero sinceramente que as pessoas, individualmente, ou as empresas continuem a considerar que a formação não pode parar. Caso contrário perdem oportunidades tremendas e reposicionamentos fundamentais pós pandemia. Quem está hoje preparado e quem começa agora um processo formativo quer participar na recuperação de Portugal.
Preocupam-me aqueles, pessoas e empresas, que continuam a achar que pelo facto de estarem desempregados ou em sectores a sofrerem muito com a crise ou, mesmo, em sectores a beneficiarem da crise, não devem investir.
Quanto menos formação menor preparação. Quanto menos preparação menores serão as oportunidades. E o ciclo será sempre um ciclo negativo de “cão a morder a cauda”. Cortar com este ciclo é fundamental. Formar para criar oportunidades. Para que as “portas do comboio sejam mais largas e possam caber mais hipóteses de escolha”. Investir em crise é quase mandatório em qualquer negócio. Mais ainda em formação.
Já assisti a três crises sem contar com esta. E sempre, sempre, quem melhor saiu da crise foi quem investiu mais durante essas mesmas crises. Em formação então isso é absolutamente notório e uma verdade universal.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “MBA, Pós-Graduações & Formação de Executivos”, publicado na edição de Março (n.º 180) da Executive Digest.